Um Povo Que Não Conhece Sua História Está Fadado a Repeti-la

A notícia do primeiro Oscar para o cinema brasileiro foi celebrada com euforia em todo o Brasil. O país, que naquele momento vivia os dias intensos de Carnaval, parou para assistir ao anúncio do Oscar. A vitória não foi apenas do cinema nacional, mas da memória histórica e da luta contra o apagamento da verdade sobre a ditadura militar. No entanto, em meio à festa, um silêncio se destacou: figuras políticas da extrema direita não fizeram qualquer menção ao prêmio. Nenhuma homenagem, nenhum reconhecimento, nenhum orgulho. Por quê? A resposta é simples e assustadora: Ainda Estou Aqui desmascara um dos períodos mais cruéis da história recente do Brasil, um período que esses políticos não apenas tentam minimizar, mas que muitos deles gostariam de restaurar.

Um Povo Que Não Conhece Sua História Está Fadado a Repeti-la

A frase atribuída a Edmund Burke, pensador irlandês do século XVIII, nunca foi tão atual no Brasil como agora. O filme de Walter Salles resgata a história real de Eunice Paiva, advogada, indígena e militante que enfrentou o regime militar após seu marido, Rubens Paiva, ser sequestrado, torturado e assassinado pelos agentes da ditadura. Eunice passou décadas denunciando as atrocidades cometidas pelo regime, buscando justiça para a própria família e para milhares de brasileiros que sofreram as mesmas violações.

Fernanda Torres e Walter Salles 2025.

A narrativa do filme escancara a brutalidade de um Estado que perseguiu, torturou e assassinou cidadãos que ousaram discordar do regime. E esse é o motivo do silêncio da extrema direita. Eles não podem celebrar um filme que expõe o projeto de terror do qual são herdeiros ideológicos.

Se Ainda Estou Aqui foi ovacionado no Oscar e recebeu reconhecimento internacional, dentro do Brasil ainda há forças que tentam sufocar essa memória. Durante anos, políticos de extrema direita investiram na reescrita da história, chamando a ditadura de “revolução”, exaltando torturadores e desqualificando vítimas. Esse revisionismo covarde não é um simples erro de interpretação dos fatos – é um projeto de poder, que depende da ignorância histórica para prosperar.

Por Que a Extrema Direita Tem Medo de “Ainda Estou Aqui”?

A vitória do filme foi muito mais do que um reconhecimento artístico; foi um golpe direto contra a narrativa de negação histórica promovida pela extrema direita brasileira. Mas por que exatamente Ainda Estou Aqui incomoda tanto esse grupo? Algumas razões são evidentes:

1. Ele desmonta a mentira da “ditadura branda”

• Durante anos, figuras da extrema direita tentaram suavizar os horrores do regime militar, alegando que “não foi tão ruim assim” e que “a ditadura matou menos que outros regimes”. Ainda Estou Aqui esfrega na cara do mundo a crueldade do sistema, mostrando a perseguição política, os desaparecimentos e a dor das famílias que nunca tiveram respostas sobre seus entes queridos.

Ditadura Militar

2. Ele dá voz às vítimas e às mulheres que resistiram

• A extrema direita nunca suportou mulheres fortes na política. A história de Eunice Paiva incomoda porque ela desafia o papel de submissão que essas figuras querem impor às mulheres na sociedade. Eles não podem admitir que uma mulher indígena tenha sido protagonista da luta contra a ditadura.

3. Ele rompe o pacto do silêncio

• Desde a redemocratização, houve um acordo implícito entre certas elites políticas para não confrontar diretamente os crimes da ditadura. A Comissão da Verdade trouxe parte das revelações, mas faltou punição aos responsáveis. Ainda Estou Aqui joga luz sobre esse período de uma forma que não pode mais ser ignorada.

4. Ele atinge o cerne do projeto autoritário da extrema direita

• Políticos que defendem intervenção militar, censura à imprensa e perseguição a opositores tentam reviver a lógica da ditadura. O filme os desmascara ao mostrar o que significa viver sob um regime autoritário de verdade.

O Silêncio da Extrema Direita é Cumplicidade

A ausência de manifestações públicas de políticos conservadores não foi coincidência – foi um silêncio ensurdecedor. Para quem passou anos exaltando a ditadura, homenageando torturadores e dizendo que “o problema da ditadura foi ter matado pouco”, seria contraditório celebrar um filme que denuncia justamente essa violência.

Se figuras da extrema direita tivessem qualquer compromisso com a cultura e a verdade histórica, teriam reconhecido a importância dessa conquista para o Brasil. Mas, ao ignorarem o Oscar de Ainda Estou Aqui, deixaram claro que não podem comemorar algo que expõe a verdade sobre o regime que defendem.

Esse silêncio também revela uma estratégia mais ampla: a extrema direita prefere que a história da ditadura seja esquecida, minimizada ou distorcida. Esse é o primeiro passo para abrir espaço para um novo autoritarismo. Como a frase de Burke nos alerta, um povo que esquece sua história está condenado a repeti-la.

O Impacto de “Ainda Estou Aqui” e o Futuro da Memória no Brasil

A vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar não é apenas um marco para o cinema brasileiro, mas um símbolo de resistência contra o esquecimento. Enquanto a extrema direita tenta reescrever a história, o filme coloca os fatos na tela grande, para que o mundo veja o que foi o regime militar e o que ele custou ao Brasil.

Para milhões de brasileiros, a conquista foi um momento de orgulho e emoção. O fato de o país parar o Carnaval para acompanhar o Oscar mostra o quanto essa história ainda ecoa na nossa sociedade. Essa foi uma vitória não só do cinema, mas da verdade.

Agora, o desafio é garantir que essa memória continue viva. Se deixarmos a extrema direita reescrever a história, os horrores da ditadura podem voltar em novas formas. É por isso que Ainda Estou Aqui é mais do que um filme: é um lembrete de que a luta pela democracia nunca acaba.

Se a extrema direita quer que esqueçamos, nossa resposta precisa ser clara:

Nós lembramos. Nós resistimos. Nós nunca deixaremos que isso aconteça de novo.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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