A morte de Francisco reacende debates milenares. Estaria o Vaticano à beira de uma virada histórica — ou de um colapso simbólico?
No coração do Vaticano, silêncio e expectativa se misturam após a morte do Papa Francisco. Para além do luto oficial e dos rituais centenários, há um burburinho que atravessa continentes, misturando teologia, geopolítica e profecias apocalípticas: estaria o mundo prestes a ver o surgimento do último Papa antes do Juízo Final? E mais: seria esse Papa um homem negro?
A pergunta é constante especialmente entre os estudiosos de Nostradamus e os seguidores de suas profecias enigmáticas. Mas ela também reverbera entre historiadores, analistas políticos e espiritualistas que leem os acontecimentos atuais como marcos de uma nova era — ou do fim de uma antiga.
A profecia de Nostradamus: mito, medo ou metáfora?
Michel de Nostredame, mais conhecido como Nostradamus, viveu no século XVI e escreveu centenas de quadras poéticas que viriam a se tornar objeto de fascínio global. Suas profecias, envoltas em linguagem cifrada, já foram associadas a guerras, pandemias e quedas de impérios. Uma das mais controversas é a que supostamente prevê o último Papa antes do fim dos tempos.
Algumas leituras populares afirmam que esse último pontífice viria de fora da Europa, sendo “estrangeiro” e, em versões mais especulativas, negro. Esse Papa marcaria não apenas o encerramento de uma linhagem espiritual, mas também o colapso do próprio Vaticano. A Igreja, sob esse líder, enfrentaria sua maior crise moral e estrutural, abrindo caminho para a purgação final da humanidade.
Ainda que a veracidade dessa interpretação seja contestada por estudiosos sérios, o imaginário ocidental — carregado de símbolos raciais e escatológicos — a mantém viva. Em especial entre setores conservadores que veem no avanço da diversidade dentro da Igreja um sinal do “fim da ordem”.
A morte de Francisco e o vácuo simbólico
A morte recente do Papa Francisco, o primeiro pontífice latino-americano, marca o fim de um ciclo ambíguo na Igreja Católica. Sua trajetória, marcada por discursos de misericórdia e abertura, jamais tocou na ferida estrutural de uma Igreja eurocentrada, patriarcal e cúmplice de séculos de opressão.
Francisco foi, para muitos, o Papa do “gesto”, mas não da reforma. O Papa que visitava refugiados, mas hesitava em cortar privilégios internos. Ainda assim, sua partida deixa um vácuo: quem o substituirá? E com que rosto o Vaticano se apresentará ao mundo nos próximos anos?
Três cardeais africanos entre os mais cotados
Com a aproximação do Conclave, os olhos se voltam para três nomes africanos, todos fortes candidatos à sucessão papal. E é aqui que a profecia de Nostradamus volta à superfície — não como certeza, mas como provocação histórica.
Peter Turkson. Progressista, articulado e com sólida formação teológica, Turkson já foi apontado como “papável” em conclaves anteriores. É um defensor do meio ambiente e dos direitos humanos. Representaria um Vaticano voltado ao diálogo com os dilemas sociais do século XXI.
Robert Sarah. Conservador, liturgicamente rígido e abertamente crítico da modernidade, Sarah agrada setores tradicionalistas. Sua eleição poderia sinalizar um retorno ao catolicismo pré-conciliar, ancorado na autoridade hierárquica e moralista.
Fridolin Ambongo. Ativista, franciscano, ecoteólogo. Ambongo tem sido uma das vozes mais contundentes contra a exploração mineral em solo africano. É também símbolo de resistência espiritual em um dos países mais afetados por guerras e violações dos direitos humanos.
Todos os três são homens pretos. Todos são profundamente enraizados em contextos sociais complexos. Todos desafiam, de forma direta ou indireta, a hegemonia europeia do trono de Pedro. E isso, por si só, já é o suficiente para abalar estruturas.
Um Papa negro: redenção simbólica ou distração estratégica?
A possível ascensão de um Papa africano levanta uma questão incômoda: seria esse movimento um passo real em direção à reparação histórica, ou apenas uma manobra simbólica para manter as aparências?
A Igreja Católica jamais reconheceu, com profundidade e ações concretas, seu papel central na colonização, escravização e aculturação dos povos africanos e indígenas. Nunca devolveu os tesouros roubados. Nunca pediu perdão pelas vidas destruídas em nome da fé.
Nomear um Papa preto poderia ser apresentado como uma forma de “redenção”, mas há um risco real de que se trate apenas de uma distração simbólica. Uma tentativa de apagar séculos de dor com um único gesto.
Como diria Frantz Fanon, a representatividade sem ruptura é só manutenção com maquiagem nova.
Nostradamus como reflexo do presente
Mais do que prever o futuro, talvez as profecias de Nostradamus sirvam para revelar os medos ocultos do presente. O temor de que um Papa preto seja o último, o apocalíptico, é, no fundo, o medo do Ocidente em ver sua centralidade espiritual e simbólica desmoronar.
Um Papa africano não representa o fim do mundo. Representa o fim de um mundo específico: o mundo em que o poder espiritual era branco, europeu, masculino e inquestionável.
Esse “fim” é, na verdade, um começo urgente. A possibilidade de resgatar espiritualidades ancestrais, descolonizar a fé, e reconstruir pontes com os saberes apagados pelos cruzados da salvação.
juízo final para quem?
Talvez o verdadeiro Juízo Final não seja um evento cósmico, mas um processo histórico: o julgamento das instituições que se sustentaram por séculos em sangue e silêncio. A Igreja está, neste momento, diante do tribunal da História.
A escolha de um Papa africano pode ser um passo significativo — mas apenas se vier acompanhada de mudança real. De escuta. De devolução. De verdade.
Se Nostradamus estava certo ou não, pouco importa. O que importa é: que mundo estamos dispostos a construir após o colapso simbólico do antigo?
Porque se há um apocalipse em curso, ele não vem das estrelas. Ele vem da recusa em encarar o passado.