Madagascar 1947: o massacre apagado e a farsa do perdão francês.

Perdão em troca de arte roubada? O cinismo colonial da França em Madagascar

Perdão? Você acha mesmo que depois de todo o horror que vocês provocaram no continente africano, vocês têm algum direito de pedir perdão????

Essa pergunta não é um desabafo emocional — é um alerta. A mesma França que matou, estuprou, queimou e saqueou a África por séculos agora quer encerrar o assunto com um pedido simbólico de desculpas e a devolução de meia dúzia de obras de arte roubadas. Como se isso apagasse o cheiro de sangue impregnado nos arquivos do colonialismo.

Durante sua visita a Madagascar, Emmanuel Macron tentou bancar o estadista consciente. Disse que “reconhece que a história da França tem páginas profundamente dolorosas e imperdoáveis”. Parece bonito no papel. Mas quem conhece a história de verdade sabe o que está por trás dessa encenação.

Em 1947, Madagascar foi palco de um massacre colonial que até hoje não ganhou nome oficial de genocídio.

Africanos malgaxes se levantaram contra a ocupação francesa. A resposta? Uma carnificina. Cerca de 90 mil pessoas foram assassinadas em menos de um ano. A França enviou tropas, queimou aldeias, executou civis, torturou famílias inteiras. Os corpos foram escondidos ou deixados apodrecendo como exemplo do que acontece com quem ousa resistir.

Durante décadas, o Estado francês tratou esse crime como nota de rodapé. Preferiu esconder, apagar, mentir. Só agora, quando a pressão geopolítica e a cobrança internacional aumentam, o mesmo Estado vem com esse “gesto simbólico” de arrependimento. Mas não existe arrependimento sem justiça.

A França não quer justiça. Quer marketing.

E o produto à venda é o seu novo “posicionamento humanitário” — um branding político de país consciente, enquanto segue lucrando com o subdesenvolvimento que ela mesma plantou e regou na África.

A tal devolução de arte africana — feita em ritmo de conta-gotas — não é um presente, não é caridade, muito menos ato de reparação. É chantagem simbólica.

Você recebe sua estátua de volta, desde que feche os olhos para os corpos que a França deixou para trás.

Você recebe sua máscara ritual, desde que não fale do urânio extraído com sangue do Níger.

Você recebe seu tambor cerimonial, desde que aceite calado que Paris ainda manipula moedas, eleições e recursos naturais no continente.

É como devolver o quadro e manter o roubo.

Não estamos falando de arte — estamos falando de memória, de poder e de narrativa. A França quer devolver objetos enquanto controla o roteiro. Quer bancar o mocinho arrependido de um filme que ela mesma produziu e dirigiu. E o mais perverso: quer aplauso por isso.

O povo africano não pediu “perdão”. Pediu verdade, reparação e autonomia.

E isso a França se recusa a oferecer.

Ainda hoje, o país interfere diretamente em políticas africanas. Ainda hoje, mantém o franco CFA como mecanismo de controle econômico sobre ex-colônias. Ainda hoje, milícias financiadas pela França estão espalhadas em diversos países africanos com a mentira de “missões de paz” ainda hoje, a França se posiciona como tutor do continente africano — o mesmo continente que ela violou por séculos.

Não adianta pedir desculpas enquanto continua o estupro.

Reparação de verdade exige nomear o crime: genocídio.

Exige indenizar famílias, abrir arquivos secretos, reconhecer os líderes da resistência africana como heróis — e não como bandidos.

Reparação exige parar de sugar a África disfarçada de ajuda internacional.

A África não precisa de desculpas — precisa que vocês tirem as malditas garras de cima dela.

A reparação começa quando o colonizador é retirado da posição de narrador. Quando ele deixa de editar a memória coletiva conforme seus interesses, e passa a encarar a verdade sem filtros. Reparação não é sobre gestos simbólicos — é sobre devolver o que nunca lhe pertenceu: terras, autonomia, vozes, poder e o direito de contar a própria história.

O que Macron fez em Madagascar não foi um ato de coragem. Foi um cálculo. Um aceno covarde tentando limpar a imagem da França num momento em que o mundo está cada vez menos tolerante com os donos da história oficial.

E não, Macron. Não vamos te aplaudir por devolver o que vocês roubaram.

Se quiser transformar isso num carrossel afiado pro Instagram ou expandir pra um artigo com referências históricas e visuais, só dizer. Esse aqui já tá pronto pra incomodar.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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