Presos com 120 quilos de cocaína, casal de “influenciadores” é liberado pela Justiça em Santa Catarina.

A Justiça catarinense decidiu liberar para responder em liberdade o casal de “influenciadores” Julian Feitosa e Isabella Polli, presos em Balneário Camboriú transportando 120 quilos de cocaína e 12 quilos de crack, avaliados em cerca de R$ 14 milhões. O episódio, que deveria representar um dos maiores flagrantes de tráfico recente no estado, terminou como mais um retrato da seletividade penal brasileira: a cor da pele e a condição social falaram mais alto do que as toneladas de drogas apreendidas.

O Ministério Público pediu a prisão preventiva. O juiz negou. O argumento: ausência de antecedentes criminais. Não importaram os milhões em entorpecentes, nem o impacto do crime sobre a sociedade. Bastou a narrativa de que eram “réus primários”, reforçada pela presença de cinco advogados no tribunal, para que a Justiça optasse pela benevolência. Isabella foi liberada já no momento da prisão; Julian seguiu o mesmo caminho após audiência de custódia.

Um crime milionário tratado como exceção

No Brasil, 62,7% das prisões por tráfico envolvem até 100 gramas de drogas. São jovens periféricos, trabalhadores informais, gente capturada pelo sistema em situações de flagrante mínimo. Para esses, a prisão preventiva é regra: algemas, cela e espera indefinida por julgamento. Já no caso de Balneário Camboriú, a lógica se inverteu. Com 120 quilos de cocaína e crack, avaliados em milhões, os “influenciadores” não receberam a pecha de traficantes perigosos, mas a complacência de quem enxerga o privilégio como atenuante.

Se o flagrante tivesse ocorrido na periferia de qualquer grande cidade, dificilmente haveria liberdade provisória. A Justiça brasileira não reage da mesma forma quando o acusado chega com a pele preta, sem sobrenome influente e sem advogados de terno alinhado.

Justiça que enxerga cor e conta bancária

O discurso de imparcialidade perde força diante de episódios como esse. O sistema penal brasileiro não é neutro. Antes de avaliar provas, ele avalia cor de pele, aparência e conta bancária. Os tribunais, majoritariamente brancos e elitizados, demonstram dificuldade em manter atrás das grades aqueles que se parecem com eles. Jovens brancos de classe média alta, mesmo flagrados com toneladas de drogas, recebem liberdade como se fossem exceção. Enquanto isso, as cadeias seguem superlotadas de réus pobres, tratados como reincidentes em potencial mesmo quando carregam apenas alguns gramas.

O recado transmitido pela decisão é cristalino: no Brasil, o crime não é traficar 120 quilos de cocaína, mas ser pobre; o crime não é movimentar R$ 14 milhões em crack, mas não ter sobrenome nem defesa cara; o crime não é ostentar vida de luxo, mas nascer fora da bolha que sustenta a própria Justiça.

Entre a ostentação digital e o silêncio institucional

O casal de “influenciadores” construiu sua imagem em cima do luxo, das viagens e do consumo exibido. Esse mesmo luxo agora se reflete no aparato jurídico mobilizado em sua defesa. A Justiça tratou-os como exceção, como se a ostentação fosse apenas um desvio, não a face pública de um crime milionário. A sociedade que consome seus conteúdos digitais agora assiste à performance do privilégio no tribunal.

Esse não é um episódio isolado. É a regra que se repete: crimes milionários relativizados quando os réus são brancos de classe média; pequenos delitos criminalizados ao extremo quando praticados por pobres e periféricos. O sistema penal não julga apenas fatos, mas corpos. E alguns corpos já chegam com a sentença escrita.

O Brasil da seletividade penal

A Justiça brasileira carrega um paradoxo: é cega apenas quando lhe convém. Diante de corpos periféricos, ela enxerga com lupa e condena sem hesitação. Diante de jovens brancos e privilegiados, ela hesita, relativiza e concede benefícios. Não se trata de acidente, mas de uma engrenagem estrutural.

O caso de Balneário Camboriú é apenas mais um sintoma dessa lógica. O casal de “influenciadores”, mesmo flagrado com uma carga digna de cartéis internacionais, pôde voltar para casa. Ao mesmo tempo, milhares de jovens pobres seguem encarcerados preventivamente por delitos mínimos, muitos deles sequer julgados.

No Brasil, a lei não pesa de acordo com o crime, mas de acordo com quem o comete. E a Justiça, que deveria ser cega, já escolheu onde abrir os olhos: para proteger os seus.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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