Final dos anos 80, início dos 90. O tempo corre diferente. Não tem celular vibrando no bolso, nem mensagens piscando na tela. Se quiserem falar comigo, é pelo velho telefone fixo — aquele com fio enrolado, preso na parede da cozinha. Mas, por agora, ninguém me encontra. Estou mergulhado no meu próprio mundo, um universo pequeno e perfeito onde a TV de tubo brilha no canto do quarto, e a fita rebobinada da locadora me espera no videocassete.
Lá fora, meus amigos gritam pelo portão, me chamando para sair. Sei que se eu não for agora, eles vão acabar na casa de outro amigo, jogando fliperama ou brincando na rua até o sol sumir. Mas aqui dentro, o tempo parece mais lento, mais meu. Meus pés estão jogados sobre o sofá, um par de tênis Converse surrado completando a cena, enquanto o cheiro de pizza ainda quente preenche o ar. Mais uma mordida e o pedaço some do prato de papel. A caixa de garrafas de Pepsi no canto ainda tem algumas intactas — um luxo para as madrugadas de filmes e revistas espalhadas pelo chão.
Os pôsteres na parede me encaram como janelas para outros mundos. Indiana Jones e RoboCop dividem espaço com Darth Vader e Schwarzenegger, como se fossem velhos conhecidos. A música baixa no rádio toca uma melodia qualquer, mas eu nem presto atenção. O que importa é o desenho animado que ainda passa na TV, enquanto a luz dourada do fim de tarde entra pelas persianas, pintando o quarto com aquele tom de nostalgia que eu só vou reconhecer anos depois.
A vida é simples. É feita de tardes preguiçosas, de fitas alugadas que a gente tem que rebobinar antes de devolver, de skates largados no canto do quarto, esperando a próxima aventura. É feita de escolhas bobas, como sair para a rua ou ficar mais um pouco, como gastar a última moeda no fliperama ou guardar para um chiclete no caminho de casa.
Hoje, tudo parece mais rápido, mais barulhento. Mas aqui, nesse instante congelado no tempo, nada me apressa. O filme ainda não acabou, a pizza foi boa enquanto durou, e a única preocupação que tenho é se a fita vai atolar no videocassete antes do final dos créditos.
Eu cresci envolto em uma solidão que parecia não ter fim, em uma cidadezinha do interior da Bahia. Meu universo era moldado por panelas de barro fumegantes no fogão, onde a simplicidade de cada refeição carregava o peso da nossa realidade.
Na infância, eu era aquela criança tímida que vasculhava o lixo em busca de algo de valor, não por curiosidade, mas por necessidade. Vendia picolés pelas ruas sob o sol castigante, enquanto, em silêncio, fazia minhas preces. Pedia a Deus, não por milagres, mas por um amanhã que parecesse menos áspero. Em casa, o ambiente não era mais acolhedor. Meus pais carregavam um ressentimento profundo em relação a mim. Minha mãe, que partiu no ano passado, nunca encontrou em mim algo além de motivo de desapontamento. Meu pai, por sua vez, deixava clara a sua aversão. Eu ainda lembro do dia em que ele me espancou e, como se as palavras fossem pedras, me expulsou de casa dizendo: “Aqui você não mora mais, seu Zé Ruela.” Aquilo não era um lar, era um campo de batalha. O que recebi da minha família de sangue foram agressões físicas e psicológicas, uma ferida aberta que carreguei por anos.
Eu não tive amigos. Na escola, ocupava a primeira fileira, não porque me destacava, mas porque me escondia. Conversava mais com os professores do que com os colegas. Livros e revistas de animes eram minhas únicas companhias. Eu fugia para a fantasia como quem busca oxigênio. Criei, na minha mente, um refúgio na “Terra do Nunca”, onde eu me dizia, dia após dia: “Eu sou maior do que tudo isso.”
Eu tinha apenas 7 anos quando, diante de tanta miséria, fiz uma promessa a mim mesmo: “Eu não aceito essa vida. Eu mereço ser feliz.” Naquela idade, talvez eu não soubesse da força que carregam as palavras, mas hoje eu sei. Sei que o que afirmamos para nós mesmos pode nos salvar ou nos destruir. Por isso, digo: não seja o seu pior inimigo. Escolha palavras que te elevem, que te empurrem para frente. Não deixe de acreditar que uma vida melhor é possível.
Na vida adulta, veio meu primeiro despertar. Compreendi que a existência é algo precioso demais para ser desperdiçada vivendo como um cão adestrado, obedecendo regras que não faziam sentido para mim. Eu enxerguei, finalmente, que minha fé não era uma coleira, mas deveria ser liberdade.
Ainda assim, não quero ser utópico. Não vou mentir e dizer que todos alcançarão sucesso, porque não é assim que o mundo funciona. Mas, o que eu posso afirmar, com cada fibra do meu ser, é que você é maior do que os seus problemas. Não importa o quão escura seja a noite, você precisa resistir. Nunca desista de si mesmo.
E, por fim, quero agradecer. A você que lê, que compartilha, que comenta, que de alguma forma ajuda. Sua existência faz diferença. Juntos, seguimos resistindo, lutando, sonhando. Cada passo é uma conquista. Vamos em frente, porque não há outro caminho senão seguir.