Não precisamos de um Papa preto. Precisamos nos libertar das correntes mentais do cristianismo

Espero que nenhum deles seja escolhido. Esse espaço não precisamos ocupar. Ambos são extremamente conservadores e homofóbicos. Não precisamos de papas pretos. Precisamos descolonizar nossas mentes das mentiras do cristianismo.

A frase parece dura? Talvez. Mas a verdade nunca foi gentil com os ouvidos de quem ainda está acorrentado.

Com a morte do Papa Francisco na madrugada do dia 21 de abril de 2025, a especulação sobre quem o sucederá tomou conta da mídia religiosa e dos corredores do Vaticano. Dois nomes africanos despontam como favoritos: Fridolin Ambongo, da República Democrática do Congo, e Robert Sarah, da Guiné. A imprensa corre para pintar esse momento como histórico: seria a primeira vez, na era moderna, que um africano ocuparia o trono papal.

Mas nós precisamos mesmo celebrar isso?

O trono do Papa não é um trono africano. Nunca foi.

A Igreja Católica foi uma das mais brutais ferramentas de colonização da história. Ela abençoou navios negreiros, justificou genocídios, apagou espiritualidades inteiras, queimou corpos e apagou memórias. Ela moldou a psique de milhões, ensinando povos inteiros a odiarem sua cor, seus deuses, suas línguas e suas danças. A instituição que quer agora ser “inclusiva” foi a mesma que espalhou o inferno pelas Américas e pela África em nome de um céu europeu.

O fato de pretos estarem sendo considerados para chefiar essa estrutura não é um sinal de avanço. É um novo tipo de dominação. Um verniz progressista sobre as mesmas paredes coloniais.

Representatividade sem ruptura é armadilha.

Embora Ambongo seja reconhecido por seu ativismo social e defesa dos pobres, ele adota uma posição conservadora em questões doutrinárias. Em 2023, liderou a oposição africana ao documento Fiducia Supplicans, que permitia a bênção de casais do mesmo sexo. Ambongo argumentou que tais bênçãos seriam escandalosas na África e as classificou como uma forma de “colonização cultural” e “imperialismo ocidental”.

Em 2024, durante um discurso, descreveu o Ocidente como moralmente decadente e afirmou que práticas homossexuais são “isoladas” na África, sugerindo que agências internacionais como a ONU e a OMS promovem a “ideologia LGBT” através de financiamento condicionado.

Nenhum dos dois representa uma libertação da estrutura. Pelo contrário: representam sua perpetuação — agora com um rosto africano.

Isso, para os que não questionam estruturas, soa como conquista. Mas para quem enxerga com olhos descoloniais, é só mais um capítulo da velha manipulação: nos fazer acreditar que ocupar um espaço dentro do sistema é o mesmo que transformá-lo.

Mas vamos ser francos: por que ainda queremos fazer parte dessa casa?

A instituição da Igreja Católica nunca se desculpou verdadeiramente pelos séculos de violência contra os povos africanos e indígenas. O Vaticano continua sendo uma das estruturas mais poderosas do mundo, acumulando riquezas obscenas enquanto finge neutralidade espiritual. E agora, com o crescimento do cristianismo em território africano — em muitos casos alimentado pela miséria e pela falta de políticas públicas —, o interesse estratégico em eleger um papa africano não é espiritual. É político.

Querem garantir que o próximo rosto da opressão seja semelhante ao rosto dos oprimidos. Porque isso suaviza a dor e esconde a dominação.

Mas a pergunta que devemos nos fazer é: até quando vamos precisar de bênçãos vindas de Roma?

Até quando vamos continuar implorando por inclusão dentro de uma instituição que nasceu para nos excluir?

A hora não é de escolher entre cardeais pretos e brancos. A hora é de desprogramar o software cristão que colonizou nossa espiritualidade. Precisamos olhar para dentro e lembrar de nossas próprias formas de conexão com o sagrado. Antes da cruz, antes da culpa, antes do medo do inferno — nós já éramos divindades em movimento.

O cristianismo colonizou a mente do povo preto. E por isso é tão difícil se libertar.

Ele nos ensinou que riqueza é pecado, que o corpo é vergonha, que os ancestrais são demônios, que nossas festas são profanas, que nossa dança é luxúria, que nossos deuses são falsos. Criou um uma série de mentiras onde tudo que é preto deve ser purificado. E o que chamam de “redenção” nada mais é do que a rendição a um mundo branco.

Mas chegou a hora de quebrar essa lógica.

Não precisamos de um papa preto. Precisamos de altares nossos. Precisamos de oráculos nossos. De filosofias ancestrais que celebrem a vida, que honrem os ciclos, que não neguem o prazer, que curem através do tambor, da planta, da escuta e do sonho. Precisamos de espiritualidades que não nos peçam pra odiar quem somos em troca de salvação.

Ser representado numa prisão ainda é estar preso.

Esse espaço não precisamos ocupar. Não porque não somos dignos — mas porque somos grandes demais pra caber nele. Nosso espirito africano não nasceu pra se curvar ao Vaticano. Ela nasceu pra dançar com os ventos do Saara, pra se banhar nas águas do Orixá, pra se perder e se encontrar entre as estrelas do céu de Angola, da Bahia, do Congo, de Mali.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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