O bolsonarista raiz, senador(ES), cantor evangélico de palanque, e autointitulado combatente do mal, Magno Malta — ou Magno Malte, como já virou meme nas redes — resolveu abrir a boca novamente. E como de costume, o que saiu não foi exatamente sabedoria, nem moderação. Em um culto recente, entre um aleluia e um grito de guerra travestido de oração, Malta declarou solenemente que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, “não passa de uma carcaça”. Isso mesmo. Uma carcaça. Segundo ele, dentro do ministro mora uma “entidade maligna” que precisa ser “combatida espiritualmente”.
Se fosse ficção científica ou um episódio perdido de Supernatural, talvez desse até para levar a sério. Mas não. É vida real. É Brasil. É 2025. E sim, ainda estamos lidando com esse tipo de discurso delirante vindo de figuras públicas que se dizem representantes da moral cristã.
Do púlpito à paranoia: a cruzada espiritual contra o Estado laico
Malta, com sua já conhecida eloquência apocalíptica, mistura religião, política e fantasia como quem mistura suco Tang com vinho de Santa Ceia. Para ele, o ministro Alexandre de Moraes não é apenas um desafeto ideológico — é, literalmente, um receptáculo de forças das trevas. Claro, a metáfora é poderosa. Principalmente quando se vive num país onde a fé é instrumentalizada para justificar todo tipo de barbaridade e ataque à democracia.
Mas o discurso não parou por aí. Ao lado de sua bíblia e seu microfone, Magno Malta também disparou contra Lula, chamando o presidente de “pingunço, cachaceiro e ditador”. A plateia riu. Aplaudiu. Alguns gritaram “glória a Deus!”. E assim, entre delírios espirituais e insultos dignos de mesa de bar, o espetáculo se consolidou: um culto travestido de comício, ou um comício fantasiado de exorcismo.
A guerra santa imaginária
É curioso observar como figuras como Magno Malta sempre apelam para o campo do “espiritual” quando perdem no campo da realidade. Não conseguiram provar fraude nas urnas? Então foi o demônio. Não conseguiram impedir o Lula de se eleger? Foi pacto com entidades. Não conseguem aceitar que Alexandre de Moraes está aplicando a Constituição? É porque ele está “possuído”.
A retórica da possessão demoníaca serve a muitos propósitos. Primeiro, desumaniza o adversário. Se o inimigo não é humano, mas uma entidade do mal, então não há diálogo possível — só extermínio. Segundo, vitimiza quem fala. Malta não está apenas opinando: ele está “alertando”, está “profetizando”, está “cumprindo uma missão divina”. Assim, ele se coloca acima do debate democrático, fora do alcance da crítica racional. Qualquer discordância vira perseguição religiosa.
Mas essa estratégia, embora antiga, é perigosa. Muito perigosa. Porque ela incentiva o fanatismo, legitima a intolerância e abre espaço para atos violentos. Afinal, se o inimigo é o diabo em pessoa, vale tudo para combatê-lo, certo?
Um cristianismo moldado por ódio
A ironia de tudo isso é que Magno Malta se diz cristão. Mas não um cristão do tipo “amai o próximo”, “bem-aventurados os pacificadores” ou “quem não tiver pecado atire a primeira pedra”. Não. Malta representa um cristianismo performático, teatral, midiático. Um cristianismo que adora usar a cruz como arma, mas esquece do Cristo crucificado. Um cristianismo que fala muito sobre “família tradicional”, mas vive cercado de escândalos, fake news e discursos de ódio.
Chamou Lula de cachaceiro, mas se esqueceu que Jesus transformou água em vinho. Chamou Moraes de possuído, mas esqueceu que Jesus andava com quem era visto como impuro. Disparou acusações espirituais contra adversários políticos, mas não viu o próprio orgulho inflado e o ego sedento por palco. A fé virou ferramenta de guerra ideológica. E o púlpito, palanque de campanha.
A performance do ressentimento
O ataque de Magno Malta não é isolado. Ele faz parte de uma performance mais ampla: a do ressentimento. Esse ressentimento nasce da derrota política, da perda de espaço institucional, e do fracasso em emplacar um projeto autoritário travestido de salvação nacional.
A extrema-direita brasileira está em crise. Não consegue mais lotar avenidas como antes. Seus ídolos estão sendo investigados, presos ou em silêncio estratégico. A militância está dividida entre o delírio e a frustração. E figuras como Malta, sem cargo e sem palco institucional, encontram na radicalização religiosa um novo caminho para se manter relevantes. Vira show. Vira live. Vira corte no TikTok.
E o público fiel consome. Porque é mais fácil acreditar que tudo é culpa do diabo do que aceitar que o projeto político bolsonarista fracassou por incompetência e autoritarismo.
O “pingunço” que voltou pelo voto
Sobre Lula, Magno Malta disparou seu repertório previsível: pingunço, cachaceiro, ditador. Um cardápio de insultos reciclados da campanha de 2002. O problema é que, apesar da raiva que sentem, o “pingunço” venceu. Não foi por decreto. Não foi por golpe. Foi pelo voto.
Chamar Lula de ditador depois de três eleições vencidas pelo povo é, no mínimo, desonestidade intelectual — para não dizer desespero político. Se Lula fosse mesmo um ditador, Magno Malta não estaria em cima de um palco berrando essas coisas. Estaria respondendo processo, sendo censurado, ou escondido num porão — como aconteceu com verdadeiros opositores nas ditaduras reais que Malta parece ignorar.
Mas não. Aqui, ele fala livremente. Ofende, insinua, delira. E ainda assim se diz perseguido.