Guerra às drogas é limpeza étnica socialmente aceita

Não se pode fazer vista grossa com os números alarmantes de jovens negros mortos e alegar surpresa. A consolidação desse quadro em uma escala nacional, como indicado por dados oficiais, revela uma realidade inquietante. Diversas pesquisas já apontaram o quadro assustador sobre o genocidio do povo negro, como bem escreveu Abdias do Nascimento.

Ao analisarmos os processos das justiças estaduais, que compõem a esmagadora maioria dos casos no país, os perfis dos réus são reveladores: 86% são homens, 72% têm 30 anos ou menos, 66% são negros (entre pretos e pardos), e 68% não completaram o ensino médio. Surpreendentemente, quase 80% são réus primários.

Os dados desencadeiam reflexões acerca da guerra às drogas, que emerge como uma batalha desproporcionalmente travada contra jovens negros. Uma pesquisa do Ipea reforça essa constatação ao revelar que 66% dos processados por crimes relacionados a drogas no país são negros. Essa seletividade impressionante na abordagem das políticas antidrogas levanta sérias questões sobre a igualdade no sistema judicial brasileiro.

Ao confrontarmos a triste realidade dos negros representando a maioria esmagadora dos mortos em ações policiais e a alta incidência de processos criminais relacionados às drogas, torna-se imperativo questionar a natureza e os impactos de uma guerra que, inadvertidamente, parece ser uma limpeza étnica socialmente aceita.

Guerra às drogas é limpeza étnica socialmente aceita!

A expressão “Guerra às drogas é limpeza étnica socialmente aceita” nos instiga a uma análise crítica, mergulhando nas entranhas de nossa história, para desvelar as complexas teias que conectam o presente ao passado. Ao observarmos os dados atuais, especialmente o impacto desproporcional sobre jovens negros, é inevitável questionar como chegamos a esse ponto.

Desde tempos coloniais, a estrutura social brasileira foi moldada por padrões que perpetuaram desigualdades e injustiças. A escravidão, fundamento sombrio de nossa história, lançou as bases para uma sociedade estratificada, onde o racismo estrutural persiste até os dias atuais. A marginalização dos descendentes de africanos, que começou com a escravidão, enraizou-se no tecido social, manifestando-se de formas insidiosas ao longo dos séculos.

A “Guerra às drogas” não é apenas uma expressão recente, mas sim uma narrativa que se estende por décadas. Desde os movimentos contra-culturais nas décadas de 1960 e 1970, a retórica de combate às drogas foi empregada como um meio de controle social, frequentemente visando comunidades marginalizadas. A promulgação de políticas punitivas, muitas vezes carentes de critérios justos e imparciais, resultou na criminalização em massa de indivíduos, particularmente jovens negros.

A narrativa histórica revela a persistência de uma mentalidade que enxerga certos grupos étnicos como ameaças intrínsecas, legitimando ações desproporcionais. As raízes desse fenômeno encontram-se entrelaçadas em uma história de desigualdade, discriminação e falta de acesso a oportunidades. A “limpeza étnica” que se insinua nessa guerra não é apenas a consequência de políticas contemporâneas; é o reflexo de estruturas arraigadas que se estendem por séculos.

Ao criticarmos a aceitação social dessas práticas, precisamos confrontar nosso passado e reconhecer como as sementes da injustiça foram plantadas em solo fértil. Somente através dessa compreensão histórica profunda poderemos moldar um futuro que transcenda as amarras de uma limpeza étnica que persiste, insidiosamente, na “guerra” travada contra aqueles que, historicamente, já carregam o peso de séculos de opressão.

Por que ninguém faz nada???

A pesquisa apresentada no recente seminário da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad), em 22 de setembro de 2023, expõe uma conclusão inquietante que revela as entranhas do sistema: os processos operam como um cilindro desprovido de robustos filtros que distingam a prisão em flagrante da condenação. A ínfima taxa de arquivamento de inquéritos pelo Ministério Público e a limitada recusa de denúncias por parte dos juízes, que juntos contribuem para mais de 70% das condenações por tráfico de drogas, evidenciam o protagonismo da Polícia Militar na trama da política criminal.

A escassez de mecanismos de filtragem é amplificada pela centralidade da prova testemunhal nos processos de tráfico, onde a narrativa policial, ubíqua em praticamente todas as audiências, é aceita com reverência quase absoluta. Este predomínio da palavra da polícia sugere que uma possível decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela descriminalização do porte e a definição de um limite mínimo para a presunção do tráfico pode enfrentar obstáculos substanciais. O ministro Alexandre de Moraes, ao sinalizar a consideração de elementos além do volume, como denúncias anônimas, local de apreensão e apetrechos, revela uma persistente dependência de narrativas policiais.

O pesquisador Marcelo da Silveira Campos, durante o seminário, destaca que, apesar das tentativas de reformulação nos processos relacionados a drogas, nada foi capaz de reduzir a presença dos condenados por esses crimes no sistema penitenciário, mantendo-se próxima a 30%. Essa estatística, uma das mais elevadas incidências de prisões no país, ressoa como um testemunho da ineficácia das alterações implementadas ao longo dos anos. Essa constância, que denota uma resistência sistemática à mudança, exige uma reflexão profunda sobre as raízes enraizadas de um sistema que persiste em perpetuar desigualdades e injustiças.

A provocativa indagação de Djonga, “O que vale mais, um jovem negro ou um grama de pó?”, reverbera em sua música e coloca em perspectiva a eficácia da chamada guerra às drogas. Em um cenário global, vários países têm reexaminado suas leis sobre drogas na última década, questionando a viabilidade dessa abordagem.

A venda de drogas, sendo um braço financeiro crucial para diversas organizações criminosas, encontra na ilegalidade a oportunidade de se tornar extraordinariamente lucrativa. Como destaca Mauricio Fiore, antropólogo e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), “Não se vende a mercadoria, vende-se o risco da proibição”. Ele ilustra isso com a maconha, apontando que não é uma substância de custo elevado de produção.

Essa análise aprofundada destaca a necessidade urgente de reavaliar as políticas de combate às drogas, questionando não apenas sua eficácia, mas também as consequências desproporcionais que recaem, muitas vezes, sobre comunidades marginalizadas. A reflexão proposta por Djonga ressoa como um apelo à sociedade para reconsiderar abordagens que, historicamente, têm gerado mais danos sociais do que soluções efetivas.

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Por: Wanderson Dutch.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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