Eles não te ensinaram filosofia africana porque podia despertar
A escola brasileira te ensinou que filosofia começou com os gregos. Sócrates, Platão, Aristóteles. Três nomes, três estátuas brancas, três homens — todos apresentados como os pais do pensamento. Mas nunca te contaram que, milênios antes, já se refletia sobre ética, política, espiritualidade e natureza no coração do continente africano. Não foi por acaso. Foi projeto.
O que chamamos de “filosofia” no Ocidente foi, na verdade, uma apropriação cultural travestida de origem. Apagaram os nomes africanos. Silenciaram os sábios do Nilo. Excluíram deliberadamente os textos milenares de Kemet, hoje chamado de Egito, que tratavam do comportamento humano, da ordem cósmica, do autodomínio e do papel da alma no mundo. A memória que poderia libertar foi substituída por uma narrativa eurocêntrica que limita o saber à branquitude.
Você passou anos estudando Descartes, Kant e Hegel. E talvez nunca tenha ouvido falar de Ptahhotep, Imhotep, Merikare, ou das máximas de Maat. Não se trata de falta de tempo no currículo, mas de uma escolha política para manter um povo desconectado de sua ancestralidade intelectual. Uma filosofia que forma pensadores críticos e conscientes do próprio valor não interessa a sistemas que lucram com a ignorância.
A filosofia africana não foi esquecida. Ela foi escondida. E esconder é diferente de perder. Ela continua viva nos terreiros, nas tradições orais, nos griôs, nas danças e nos rituais. Está nos corpos, nas práticas, na linguagem do cotidiano. Só não está no livro didático — porque ali, quem edita o conteúdo, edita também o acesso à liberdade.
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Antes da Grécia, havia Kemet
Muito antes de Atenas ser uma cidade-Estado, Kemet já era uma civilização com profunda organização ética, espiritual e política. Os egípcios antigos não apenas construíram pirâmides; eles sistematizaram pensamentos sobre justiça (maat), ordem, reciprocidade, equilíbrio e verdade. A palavra “filosofia” pode ser grega, mas o pensamento sobre “o bem viver” já era prática africana — e cotidiana.
Ptahhotep, por exemplo, escreveu um dos primeiros tratados de ética do mundo, cerca de 2400 a.C. Ele ensinava que o bom governante era aquele que ouvia os mais velhos, respeitava os humildes e praticava a escuta profunda. Suas máximas foram copiadas por escribas durante séculos, formando a base da sabedoria moral de todo um império.
Imhotep, outro nome silenciado, foi arquiteto, médico e também pensador. Mil anos antes de Hipócrates, ele já praticava medicina integrada com espiritualidade, respeitando o corpo como morada da força vital. No entanto, quando você aprende medicina ou filosofia no Brasil, esses nomes raramente aparecem. Por quê?
Filosofia é poder. E por isso foi branca.
Quem detém o direito de dizer o que é pensamento “válido” controla o imaginário de uma sociedade. Por isso, o colonialismo não precisou só de armas — precisou de escolas. A colonização do pensamento foi tão profunda que até hoje muitos negros e negras sentem que estão “descobrindo” sua história, quando na verdade sempre viveram nela.
A filosofia africana não era feita em academias elitistas, mas em comunidade. Ela não separava mente e corpo. Ela não negava o invisível. Ela não dualizava o mundo entre certo e errado. Era uma filosofia integral — onde ética, espiritualidade, natureza e política formavam um só campo de sabedoria. Isso assusta, porque é o oposto da fragmentação do saber que sustenta o capitalismo.
É por isso que não se fala de Kemet nas escolas. Porque conhecer Imhotep é relembrar que existiu um tempo onde o saber era negro, respeitado e central. É lembrar que África foi, e ainda é, uma potência intelectual. É lembrar que a filosofia pode ser vivida, e não apenas citada.
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Despertar é lembrar
Você não precisa mais esperar que validem sua inteligência por um diploma europeu. Nem precisa aguardar que aprovem seus saberes em uma banca branca. A filosofia africana é sua herança. Ela está nos cantos, nos provérbios, nos conselhos da avó, nos batuques, nas ervas, na observação da natureza. Despertar é lembrar.
E talvez seja exatamente por isso que ela foi tão escondida: porque ela nos faz lembrar quem somos. E quem lembra, levanta. E quem levanta, não se curva.
“Apagar a filosofia africana não foi um esquecimento — foi um projeto cristão europeu intencional. Mas toda sabedoria ancestral, quando escutada, volta a florescer.