Abdullah, o poderoso mestre etíope
Origens e ascendência
Abdullah era, segundo relatos preservados por seus discípulos como Neville Goddard e Joseph Morthy, um mestre de origem etíope, talvez um rabino judeu etíope, que chegou aos Estados Unidos no final da década de 1920. A sua descendência africana etíope conferia-lhe uma linhagem antiga e reverenciada — e os discípulos frequentemente o descreviam como alguém que trazia consigo uma sabedoria ancestral, intimamente ligada aos escritos sagrados da tradição judaico-cristã.
Encontro com Neville Goddard
Nos anos entre 1929 e 1936, Neville Goddard teve contato com Abdullah em Nova Iorque. É bem documentado que Abdullah viu em Neville um potencial metafísico e exegético à parte — segundo relatos, teria dito algo como: “Neville, você está atrasado seis meses” — como se já soubesse de sua chegada antes mesmo do jovem surgir . A partir daquele encontro, Neville passou a estudar com ele por aproximadamente sete anos, aprendendo hebraico, a Cabala judaica e os significados ocultos da Bíblia .
A abertura aos discípulos iniciados
Logo nos primeiros encontros com seus iniciados, Abdullah teria sido claro e direto ao comunicar esta verdade essencial:
“Você é Deus, e saber disso inicialmente poderá causar desconforto.”
Essa frase — que marca o tom de sua pedagogia — incitava o discípulo a encarar diretamente a divindade interna, mesmo correndo o risco de abalar crenças anteriores e criar forte ressignificação existencial.
O ensinamento de Abdullah: autoconsciência, Cabala e poder interior
A essência da mensagem
Abdullah ensinava que a verdadeira Bíblia não era apenas um compêndio de histórias sagradas, mas um manual de transformação interna. Para ele, os personagens bíblicos — Abraão, Jacó, Moisés, Adão — eram arquétipos de estados de consciência humanos. A narrativa bíblica, então, devia ser lida como simbólica e psicológica, não literal.
A Cabala como trilha de autoiniciação
Ele introduzia o discípulo à Cabala judaica, ensinando que as letras hebraicas formam estruturas vibracionais que, quando compreendidas e vividas, despertam a consciência criativa. Cada palavra das Escrituras carregava uma dimensão energética oculta — aprender hebraico permitia acessar esses níveis.
Técnicas de imaginação ativa
Abdullah ensinava a Neville (e também a Joseph Morthy, posteriormente) que a imaginação ativa — a vivência consciente do futuro desejado como se já existisse — é a ferramenta principal do poder divino humano. Ele dizia: “O sonho interior é o ato criativo de Deus no seu ser”, convidando o aluno a imaginar cenas vívidas e sentir com intensidade, até que aquele estado se tornasse realidade.
Abdullah e Neville Goddard: uma alquimia interna
Formação espiritual
Durante os sete anos de convivência, Neville aprendeu com Abdullah a ler a Bíblia de uma forma radicalmente diferente. Em vez de fábulas históricas, ele viu histórias sobre os sete dias da criação como sete etapas da consciência humana. A queda de Adão, por exemplo, simbolizava a queda da imaginação humana — e a redenção, a ascensão à consciência divinal.
Um diálogo inicial emblemático
Num dos primeiros encontros de Neville com Abdullah, este teria declarado algo que ficou marcado para sempre: “Você é Deus, e saber disso inicialmente poderá causar desconforto.” A frase provocava um abalo existencial — contudo era intencional: despertar o aluno para a magnitude do seu próprio ser.
Transmissão oral e ética do sigilo
Abdullah era conhecido por ser silencioso, mas incisivo. Seus ensinamentos não foram praticamente escritos por ele — tudo foi transmitido oralmente. Ele recomendava que seus discípulos não compartilhassem abertamente esses ensinamentos, a menos que outros estivessem prontos — pois o poder contido neles podia ser mal utilizado ou mal interpretado.
A Bíblia segundo Abdullah
Símbolo da consciência interna
Nos ensinamentos dele, Abraão representava a semente divina, plantada na consciência humana. O Êxodo simbolizava a saída da escravidão mental — a libertação do inconsciente. O rio Jordão, atravessado por Josué, delineava a travessia de medos e dúvidas. Cada profundidade bíblica era uma jornada interna a ser trilhada.
Personagens como estados psicológicos
• Adão e Eva – dualidade. Adão a consciência, Eva a imaginação.
• Caim e Abel – conflito entre razão e emoção.
• Jacó – o sonhador que luta e se transforma, nomeado Israel.
Abdullah insistia: esses personagens não são históricos, mas plurais dentro de nós.
Uso simbólico da linguagem hebraica
Ao aprender o hebraico com Abdullah, Neville percebeu que as palavras bíblicas se moviam além do significado literal. Cada letra — aleph, bet, gimel — tinha uma vibração, uma qualidade energética. Abdullah ensinava meditações baseadas em combinações de letras, suscitando transformações internas por meio do som e da visão mental.
Joseph Morthy e a transmissão da linhagem
Joseph Morthy, outro discípulo importante da linhagem de Abdullah, também reconheceu o mestre etíope como forma central de seu despertar. Embora seja menos conhecível ao público, Morthy continuou a mesma linha: ensino de autoconsciência, leitura simbólica da Bíblia, uso da imaginação consciente como força criadora. Ele testemunhou que Abdullah afirmava ter vindo especialmente para plantar essas sementes em Neville — e depois desapareceria “quando tivesse ensinado tudo o que devia” .
Ensinos destacados atribuídos a Abdullah
- “Você é Deus…” – A frase essencial, proferida no primeiro contato, anunciava a verdade ocultar dentro de cada ser humano.
- Transformar os sonhos em realidade consciente – técnicas de imaginação vívida com sentimento.
- Blindagem mental – como proteger-se contra dúvidas e vozes externas, construindo um campo interno de autoconfiança.
- Cabala aplicada – meditações com letras e combinações hebraicas para ativar níveis sublimes de consciência.
- Interpretação simbólica da Bíblia – ler os textos sagrados como mapas internos, símbolos arquetípicos universais.
- Sigilo e discrição – ensinar apenas aqueles que demonstram sincero compromisso com a verdade.
Impacto na obra de Neville Goddard
O Cristo interno
Neville passou a enfatizar que Cristo não era uma pessoa histórica externa, mas um princípio interno — a consciência divina interior. Essa interpretação foi claramente moldada pelos ensinamentos de Abdullah.
Lições em palestras e livros
A influência de Abdullah aparece em obras como The Power of Awareness, Feeling is the Secret e Awakened Imagination, onde Neville repete, em essência, que a imaginação é Deus operando no homem e que a Bíblia é um espelho da mente.
Uma linhagem viva
Após a morte de Neville em 1972, muitos seguidores continuam interpretando seus ensinamentos com base naquilo que aprenderam da voz de Neville — voz que ecoava, discretamente, os ecos de Abdullah. Embora o nome “Abdullah” apareça com pouca frequência nos livros de Neville, os fundamentos cabalísticos, a ênfase na imaginação ativa, o misticismo silencioso e a autoridade interior são claramente frutos desse mestre etíope.
Reflexão final
Abdullah, o etíope, representa mais do que um mentor histórico — ele foi a ponte entre tradições antigas de sabedoria e uma síntese moderna que Neville Goddard difundiu amplamente. Os ensinamentos dele eram simples na forma, profundos no impacto: a consciência humana como Deus manifestado, a Bíblia como ferramenta de autoconhecimento e transformação, a imaginação como o ato criativo supremo.
E a frase que você mencionou encontra eco nada apenas retórico, mas existencial:
“Você é Deus, e saber disso inicialmente poderá causar desconforto.”
Esse desconforto era consciente — provocava dúvida, quebra de paradigmas, e preparava o discípulo para uma jornada interior transformadora. Abdullah não prometia poderes fáceis — exigia um enfrentamento consigo mesmo. Sua herança, passada a Neville e depois a Joseph Morthy e outros, foi a semeadura de que a realidade externa é apenas o reflexo da realidade interior.