A dinastia dos Faraós Negros do antigo Egito

No idos de 730 a.C., uma cena magnífica se desenrolava ao longo das majestosas margens do rio Nilo: uma frota de embarcações esplendidamente carregadas de guerreiros destemidos navegava contra a corrente, com uma missão monumental — conquistar o então declinante Império Egípcio. Esses notáveis guerreiros, oriundos do reino de Kush, eram comandados pelo intrépido líder Piye, cuja habilidade estratégica derrotava impiedosamente todas as lideranças egípcias que ousavam se opor.

Após um ano de batalhas intensas, as tropas do visionário chefe núbio alcançaram a vitória, lançando as bases para o que posteriormente seria reconhecido como a gloriosa 25ª Dinastia.

Piye, o notável Faraó negro, autoentitulava-se como o verdadeiro Senhor do Egito, detentor das tradições espirituais herdadas de seus antecessores. Após a conquista do território, o líder regressou à sua capital em Napata, na Núbia, abstendo-se de retornar ao Egito. Por 35 anos, reinou à distância, arrebatando o título de Senhor das Duas Terras. Em 721 a.C., ao falecer, repousou em uma pirâmide em El-Kurru, ao lado de seus fiéis cavalos, conforme a tradição faraônica.

Os faraós negros, sob a égide de Piye, foram os artífices da reunificação do Egito, legando uma era de grandiosidade. Shabaka, irmão de Piye, ergueu majestosos monumentos em Luxor e Tebas, além de uma estátua onde ostenta uma coroa adornada por duas serpentes, simbolizando a conjunção do Alto e Baixo Egito. Após o seu ocaso, o valoroso guerreiro Taharqa, filho de Piye, sucedeu ao trono, perpetuando a saga desta distinta dinastia.


A dinastia dos faraós negros, ou a 25ª dinastia do Antigo Egito, constitui uma parcela fascinante e frequentemente negligenciada na tapeçaria histórica da civilização egípcia, demandando uma análise que transcenda os estereótipos eurocêntricos associados à narrativa tradicional. No século VIII a.C., uma sucessão de monarcas núbios, provenientes da região que abrange o atual Sudão, ascendia ao poder no Egito, inaugurando um período distintivo de intercâmbio cultural e revitalização civilizacional.

A ascensão desses faraós negros, caracterizados por uma intricada interação entre as tradições núbias e egípcias, não apenas representou um renascimento cultural e artístico no cenário egípcio, mas também redefiniu os paradigmas estéticos e religiosos da época. A fusão engenhosa de estilos arquitetônicos e artísticos distintos das regiões do Egito e da Núbia testemunhou uma expressividade única e inovadora.

Ao contextualizar as realizações desta dinastia, torna-se imperativo desvencilhar-se de análises simplificadas e imergir na profundidade e riqueza do legado que ela conferiu. Monumentos e obras de arte que perpetuam a imagem desses faraós negros oferecem uma narrativa intrincada, desafiando interpretações antiquadas e destacando a necessidade premente de reconhecer a complexidade intrínseca à história egípcia.

A dinastia dos faraós negros transcende a mera categoria de um capítulo histórico; ela se insere como um elemento crucial na compreensão da tessitura cultural do Antigo Egito. Sua influência, muitas vezes subestimada, demanda uma abordagem mais acurada, promovendo uma apreciação holística da herança egípcia e núbia. Ao direcionar o olhar para esse período, instigamos a revisão crítica e a apreciação justa de uma dinastia que desempenhou um papel essencial na complexidade cultural do Egito antigo.

Apesar das notáveis realizações e dos monumentos imortais que legaram à posteridade, os faraós negros foram, por largo período, negligenciados ou subestimados. Essa lacuna histórica encontra raízes no preconceito manifestado por muitos arqueólogos do século 19, que interpretavam as descobertas de acordo com os prismas do racismo prevalente na época.

Diante das evidências incontestáveis do domínio núbio sobre o Egito, figuras proeminentes como George Reisner, da Universidade de Harvard, frequentemente perpetuavam a equivocada narrativa de que líderes como Piye possuíam tez clara. Esta falsa representação, enraizada no preconceito, começou a ser questionada a partir da década de 1960 e finalmente desmantelada em 2003, quando estátuas imponentes de grandes faraós negros emergiram em solo sudanês, desafiando o status quo estabelecido por arqueólogos do passado, como o suíço Charles Bonnet.

Essa verdade dos faros negros, apesar de por muito tempo obscurecida por narrativas distorcidas da branquitude doente, ressurgiu vigorosamente, redefinindo a compreensão histórica. É crucial reconhecer que líderes como Piye, de pele escura, desempenharam papéis essenciais na rica trama da história egípcia.

A omissão histórica quanto à governança negra no Egito persistiu por décadas, refletindo o viés demoníaco racial que permeava as interpretações acadêmicas. O ano de 670 a.C. assinala o fim dessa governança, com a chegada da ocupação assíria, um marco que também representa a interrupção desse capítulo distinto na história do Egito.
Abraçar a verdade histórica é um ato essencial para desmantelar estereótipos enraizados e construir uma narrativa mais justa e inclusiva.

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Wanderson Dutch.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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