A Ilusão da Separação por Alan Watts.

“Traga-me uma gota separada do oceano e eu lhe mostrarei uma pessoa separada do universo.” — Alan Watts

Vivemos imersos em uma narrativa que nos ensina, desde cedo, a nos perceber como entidades isoladas — um corpo, uma mente, um nome, um CPF. A ilusão da separação é o eixo invisível de muitas das dores contemporâneas. Nos percebemos distintos do outro, da natureza, da existência. Mas e se essa separação for apenas uma construção mental? E se tudo for, na verdade, um único fluxo?

O filósofo britânico Alan Watts dedicou boa parte de sua vida a desconstruir essa miragem. Inspirado pelas tradições orientais, especialmente o Taoismo, o Zen-Budismo e os Vedas, Watts defendia que a ideia de um “eu” separado do mundo é um truque da linguagem, uma ilusão criada pela mente humana. “Você não é uma vítima do universo, você é o universo, experienciando a si mesmo”, dizia.

Essa visão não é nova. Povos originários africanos, por exemplo, nunca viram o mundo como compartimentalizado. O Ubuntu — filosofia que permeia muitas culturas do sul do continente africano — diz: “Eu sou porque nós somos”. O ser não se sustenta no isolamento, mas na rede. A interconexão é a base do existir. O mesmo princípio se encontra no misticismo egípcio, onde tudo era Uno, e o ser humano era uma centelha da Maat, a ordem cósmica.

A neurociência moderna começa a captar as frestas dessa sabedoria ancestral. Estudos de neuroplasticidade mostram que nossos cérebros não apenas respondem ao ambiente — eles se moldam por ele. Emoções de quem nos cerca afetam diretamente nossos estados internos. O fenômeno dos neurônios-espelho prova que, ao ver alguém em dor ou alegria, nossa mente a experiencia também, como se fosse conosco. A ciência começa a dar linguagem objetiva ao que a espiritualidade sempre intuiu: **somos um organismo só, sens…

A série Dark, da Netflix, apesar de parecer inicialmente uma história sobre viagem no tempo, revela-se uma meditação sobre a não-linearidade, a simultaneidade dos eventos e a ilusão do “eu” separado. Em sua espiral narrativa onde passado, presente e futuro coexistem, percebemos que os personagens estão todos presos a um ciclo, como se fossem manifestações distintas da mesma consciência universal. A frase “O começo é o fim e o fim é o começo” não é apenas um jogo filosófico — é a dissolução da fronte…

Mas por que essa separação persiste? Porque ela serve a um sistema. Um sujeito que se percebe isolado é mais facilmente manipulado. O medo, a competitividade, a sensação de escassez — tudo isso nasce da ideia de separação. O capitalismo, por exemplo, não se sustenta em indivíduos que compreendem que o outro é extensão de si. É necessário manter a ilusão: você contra o mundo, você contra o tempo, você contra você.

Contudo, há brechas. Uma delas é a meditação. Quando silenciamos o ruído mental, abrimos espaço para perceber que há algo maior pulsando por trás do “eu”. Nas tradições não-duais, como o Advaita Vedanta, o convite é radical: não busque Deus fora, descubra que você é Ele. O divino não é um ente externo, mas a própria consciência que observa. Como diria o mestre indiano Ramana Maharshi: “A verdadeira liberdade é saber que não há ninguém ali para ser liberto”.

Reencontrar essa unidade exige coragem. Coragem de abrir mão da identidade fixa, do apego à narrativa pessoal. É um processo de desaprender. E aqui entra a beleza da frase de Alan Watts: uma onda não existe separada do oceano. Você é o fluxo. Você é a maré. E quando compreende isso, o medo se dissolve. Porque não há onde cair. Não há fora. Tudo é dentro.

Conectar-se com essa percepção muda tudo: o jeito que se ama, que se come, que se trabalha. Você começa a perceber que a árvore respira com você, que o sol te toca com intenção, que o outro não é ameaça, mas reflexo. A separação é uma ilusão funcional — nos permite agir no mundo. Mas não é a verdade última.

A verdade é: somos um corpo só. Um único sopro dividido em bilhões de rostos. E quando compreendemos isso, não há mais necessidade de vencer. Porque já somos. Já estamos. Já fluímos.

E talvez, nesse exato momento, enquanto você lê essas palavras, o universo esteja lendo você também.

Não como algo fora. Mas como parte. Como onda. Como oceano.

Alan Watts nos ofereceu uma chave. Cabe a nós abrir a porta.

 

 

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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