Sionismo, Sionismo Cristão e a Nova Guerra Santa Brasileira.

O sionismo é, antes de tudo, um projeto político. Nascido no fim do século XIX, o sionismo teve como objetivo principal criar um Estado-nação para o povo judeu, então disperso pela Europa e alvo frequente de perseguições, discriminação e massacres. Seu nome deriva de “Sião”, uma das colinas de Jerusalém, símbolo bíblico da terra prometida. O fundador do movimento moderno, Theodor Herzl, propôs em 1896 a fundação de um Estado judeu como solução prática e definitiva para o antissemitismo europeu — não como um retorno místico à terra santa, mas como um projeto geopolítico.

Em 1948, com o apoio das potências ocidentais e a sombra da tragédia do Holocausto, o Estado de Israel foi criado. Porém, a sua fundação não aconteceu em um território vazio. Havia ali, na Palestina, uma população árabe majoritariamente muçulmana, além de cristãos e judeus que já viviam em paz relativa. A criação de Israel resultou na Nakba — a expulsão de mais de 700 mil palestinos de suas casas — e deu início a décadas de conflitos, ocupações e disputas que seguem até hoje. O sionismo, para muitos, deixou de ser apenas um movimento de retorno e passou a representar uma forma de colonização moderna, racista e expansionista.

Mas existe uma versão ainda mais controversa do sionismo: o sionismo cristão.

O que é o Sionismo Cristão?

O sionismo cristão não é judaico. É uma doutrina teológica e política que surge principalmente entre protestantes evangélicos (especialmente nos EUA e, mais recentemente, no Brasil), baseada na interpretação literal da Bíblia. Para os sionistas cristãos, o Estado de Israel moderno é o cumprimento das profecias bíblicas do Antigo Testamento e o início dos “últimos dias”. Segundo essa narrativa, é necessário que Israel controle toda a Terra Santa, reconstruindo o Terceiro Templo em Jerusalém, para que o Messias — no caso, Jesus — volte à Terra.

É uma aliança estranha: cristãos que não creem no judaísmo apoiando um Estado judeu por acreditar que isso acelerará o Apocalipse — incluindo a conversão (ou destruição) final dos próprios judeus. Em outras palavras, trata-se menos de amor ao povo judeu e mais de uma obsessão com o fim do mundo e com a vitória militar de Israel sobre seus inimigos.

O Crescimento do Sionismo Cristão no Brasil

No Brasil, o sionismo cristão ganhou força nos últimos 15 anos com a ascensão das igrejas neopentecostais e do fundamentalismo evangélico. Diversos líderes religiosos brasileiros têm adotado o discurso sionista de maneira acrítica, pregando que “abençoar Israel é ser abençoado por Deus”, e transformando a política externa brasileira numa extensão de profecias apocalípticas.

Não é por acaso que figuras como Silas Malafaia, Edir Macedo e outros pastores influentes demonstram apoio explícito ao governo israelense — mesmo em meio a massacres contra civis palestinos. Falsas analogias entre o “Estado de Israel” e a “igreja brasileira” são usadas para justificar violências, cultos belicistas e campanhas de arrecadação em nome de uma suposta aliança divina com Israel. Igrejas brasileiras realizam marchas para Jesus em apoio a Israel, hasteiam a bandeira israelense ao lado da brasileira, e vendem objetos com inscrições em hebraico como se fossem talismãs espirituais.

O sionismo cristão brasileiro virou uma indústria. Movido por ignorância teológica, interesses políticos e financiamento internacional, ele transforma fé em arma ideológica. O discurso de que Israel é “o povo escolhido” serve, na prática, para justificar ocupações, racismo, islamofobia e a desumanização dos palestinos. A espiritualidade vira espetáculo geopolítico.

Uma Colonização Espiritual?

Mas o sionismo cristão é ainda mais perigoso quando interpretado como parte de um fenômeno mais amplo de colonização espiritual. As igrejas evangélicas no Brasil, financiadas em parte por grupos dos EUA, têm substituído a ancestralidade afro-brasileira por uma espiritualidade alinhada ao projeto sionista: brancos armados em Jerusalém são apresentados como heróis da fé; ao passo que os palestinos — árabes, pobres, muçulmanos — são automaticamente vistos como inimigos de Deus.

Isso afeta diretamente a identidade do povo preto no Brasil. O sionismo cristão apaga a memória das religiões de matriz africana, reescreve a Bíblia a partir de uma perspectiva branca e militarizada, e transforma o Messias em um general de guerra. O Jesus afroasiático da Galileia é substituído pelo Cristo militarizado de Washington e Tel Aviv. É a nova cruzada: uma guerra santa feita não com espadas, mas com microfones e transmissões ao vivo.

Israel: Religião ou Apartheid?

Israel hoje é uma potência nuclear com um dos exércitos mais sofisticados do mundo. Em 2023, organizações internacionais, incluindo a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, passaram a classificar formalmente a política israelense como apartheid — uma prática sistemática de segregação contra os palestinos. Isso inclui muros, checkpoints, demolições de casas, proibição de retorno de refugiados, ataques a Gaza, e a negação do básico: água, eletricidade, segurança.

E mesmo assim, milhares de igrejas brasileiras continuam tratando o governo israelense como um braço de Deus na Terra.

Uma Fé Que Justifica Massacres?

O sionismo cristão, no fundo, revela o quanto parte da religião se tornou instrumento de poder. É um tipo de espiritualidade que não transforma o mundo — apenas o justifica. Uma teologia que serve ao império, não ao amor. Que defende armas, não crianças. Que troca a compaixão pela conquista. É a antítese do evangelho.

Talvez seja hora de relembrar que Jesus nunca fundou um exército, nunca se aliou a impérios, e foi executado por um Estado colonial. Se ele voltasse hoje, talvez fosse preso ao lado dos palestinos. Ou confundido com um deles.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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