Três Filmes que Deveriam Ser Obrigatórios em Toda Aula de História

A história da população preta no Brasil e no mundo ainda é ensinada de maneira fragmentada e distorcida nas escolas. Mesmo com a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira, sua aplicação é falha, muitas vezes reduzida a menções superficiais durante o mês de novembro. O problema não é falta de material ou de possibilidades pedagógicas, mas sim um bloqueio estrutural que impede que descendentes africanos nascidos no Brasil tenham acesso à sua própria história. Esse apagamento não é casual: ele faz parte da manutenção do racismo estrutural, que busca afastar a população preta de suas raízes, cultura e contribuições históricas.

Uma das formas de reverter essa situação dentro das escolas é utilizar o cinema como ferramenta pedagógica. Filmes têm o poder de emocionar, provocar reflexões e transportar os alunos para períodos históricos de forma muito mais envolvente do que livros didáticos que, muitas vezes, trazem uma visão eurocêntrica e limitada dos fatos. Pensando nisso, separamos três filmes que deveriam ser obrigatórios em toda aula de história, ajudando a preencher as lacunas deixadas pelo ensino tradicional.

1. Harriet (2019) – A Jornada de Harriet Tubman

Por que assistir? Este filme conta a história de Harriet Tubman, uma das maiores líderes da resistência contra a escravidão nos Estados Unidos. Tubman nasceu escravizada e conseguiu fugir, mas em vez de apenas se salvar, dedicou sua vida a resgatar outras pessoas através da Ferrovia Subterrânea, uma rede secreta de rotas e abrigos que ajudava escravizados a escaparem para estados livres.

A produção é essencial para que os alunos compreendam que a história da população preta não é apenas sobre sofrimento, mas também sobre luta e resistência. Harriet não apenas sobreviveu à escravidão, como enfrentou caçadores de recompensas e autoridades para libertar centenas de pessoas. Sua história rompe com a narrativa passiva frequentemente ensinada sobre os povos escravizados, mostrando o protagonismo e a coragem de quem lutou pela liberdade.

Como abordar em sala de aula?

• Relacionar o filme com as formas de resistência da população preta no Brasil, como os quilombos e a luta de Zumbi dos Palmares.

• Discutir o papel das mulheres na luta contra a escravidão e a importância de Harriet Tubman para os movimentos de direitos civis nos EUA.

• Fazer um paralelo entre a Ferrovia Subterrânea e as estratégias de fuga e sobrevivência dos povos escravizados em diferentes partes das Américas.

2. 12 Anos de Escravidão (2013) – A Verdade Brutal sobre a Escravidão

Por que assistir? Baseado na autobiografia de Solomon Northup, um homem preto livre que foi sequestrado e vendido como escravizado nos EUA, este filme escancara a brutalidade do sistema escravista e o impacto da perda da liberdade. Diferente de outras produções que suavizam essa história, 12 Anos de Escravidão mostra com realismo os horrores físicos e psicológicos da escravidão, reforçando que este não foi um “sistema de trabalho”, mas sim um crime contra a humanidade.

Esse filme é crucial porque o ensino da escravidão nas escolas brasileiras muitas vezes minimiza a violência do período. Muitos livros didáticos ainda tentam justificar o tráfico de africanos com argumentos como “eles foram trazidos porque precisavam de mão de obra”. Esse tipo de abordagem apaga a desumanização, os estupros, torturas e assassinatos que marcaram essa história.

Como abordar em sala de aula?

• Discutir como a escravidão foi um sistema econômico e político que beneficiou europeus e suas colônias, sustentando a riqueza de muitas nações até hoje.

• Relacionar o filme com a história do Brasil, destacando como o país foi o último a abolir a escravidão nas Américas.

• Falar sobre como os efeitos desse sistema ainda impactam a sociedade atual, desde a desigualdade social até o racismo estrutural.

3. Pantera Negra (2018) – A África que Nos Negam

Por que assistir? Ao contrário dos outros filmes, Pantera Negra não trata diretamente da escravidão ou do racismo, mas sim do que a África poderia ter sido sem a colonização. O filme apresenta Wakanda, uma nação africana fictícia, tecnologicamente avançada, que nunca foi invadida ou explorada por europeus. Essa narrativa é essencial porque, no imaginário coletivo, a África é sempre retratada como um continente atrasado, pobre e dependente de ajuda externa.

O impacto desse filme é imenso, principalmente para jovens pretos que raramente se veem representados como reis, cientistas ou líderes poderosos. Pantera Negra desafia essa visão deturpada da África e fortalece a autoestima de alunos pretos, ao mostrar que a história africana não se resume à escravidão.

Como abordar em sala de aula?

• Discutir a influência das civilizações africanas na ciência, arquitetura e filosofia antes da colonização.

• Trabalhar o conceito de afro-futurismo e como ele pode ser usado para reimaginar narrativas sobre a população preta.

• Falar sobre as riquezas naturais da África e como o continente foi explorado por potências europeias, desmistificando a ideia de que era um território “sem história”.

Bônus: Indicação Extra – A Mulher-Rei (2022)

Além dos três filmes essenciais para as aulas de história, uma indicação bônus que merece destaque é A Mulher-Rei (2022). Inspirado em fatos reais, o filme retrata a impressionante história das Agojie, uma unidade militar composta exclusivamente por mulheres guerreiras do Reino de Daomé (atual Benin), na África Ocidental. A trama acompanha Nanisca, interpretada por Viola Davis, uma general que lidera e treina novas recrutas para defender seu povo contra invasores europeus e traficantes de escravizados.

A grande importância de A Mulher-Rei está em desconstruir a ideia de que as mulheres africanas foram apenas vítimas da escravidão e do colonialismo. O filme apresenta um exemplo real de força, estratégia militar e organização política liderada por mulheres pretas, algo que raramente é abordado no ensino tradicional.

Como trabalhar esse filme em sala de aula?

• Contextualizar o Reino de Daomé e seu papel na resistência contra o tráfico de escravizados.

• Discutir o papel das mulheres nas sociedades africanas antes da colonização.

• Comparar as Agojie com outras mulheres guerreiras da história mundial, como as amazonas gregas e as mulheres do Quilombo dos Palmares.

Mais do que um filme de ação, A Mulher-Rei é uma peça fundamental para entender o protagonismo das mulheres pretas na história africana.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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