A frase atribuída a Marcel Proust — “Quando uma pessoa está infeliz, ela se torna moralista” — ressoa fortemente em nossa sociedade atual, especialmente diante do crescimento do conservadorismo, do fanatismo religioso e do avanço de pautas reacionárias em diversas partes do mundo. O moralismo, muitas vezes, não nasce de uma convicção genuína de valores elevados, mas da necessidade de projetar frustrações pessoais em um discurso que condena o outro.
O fenômeno pode ser observado no crescimento exponencial de igrejas neopentecostais, que oferecem a promessa de redenção e sentido para vidas marcadas pela insegurança econômica e emocional.

Em meio a crises e desigualdades estruturais, a religião tem sido instrumentalizada como um refúgio que, ao invés de promover um olhar crítico sobre as causas reais dos problemas sociais, direciona a revolta para inimigos simbólicos: mulheres, LGBTQIA+, religiões de matriz africana, imigrantes e qualquer um que questione a ordem imposta. A fé se mistura com a política, criando um moralismo militante que busca moldar leis e condutas com base em dogmas, não em direitos humanos ou princípios democráticos.
O trumpismo é um exemplo extremo desse moralismo travestido de discurso político. Trump e seus seguidores transformaram ressentimento e frustração em combustível para um projeto autoritário, que alimenta conspirações, demoniza adversários e tenta reverter conquistas sociais históricas. Esse movimento encontrou ressonância global, estimulando a ascensão de líderes ultraconservadores que exploram o medo e a insatisfação coletiva para justificar ataques a minorias e à democracia.
No Brasil, o fenômeno se manifesta de maneira similar, com retrocessos em pautas fundamentais como direitos reprodutivos, políticas ambientais e proteção de grupos historicamente marginalizados. A moralização forçada da política e da sociedade não surge da busca por um mundo mais ético, mas da necessidade de controlar e reprimir o que desafia o status quo.
A infelicidade de muitos tem sido canalizada para o conservadorismo radical, onde o discurso moralista serve como um escudo para evitar o enfrentamento das verdadeiras causas da crise contemporânea: desigualdade, corrupção, violência e falta de perspectivas reais de futuro. Em vez de buscar soluções estruturais, a sociedade retrocede, mergulhando em um pânico moral que apenas aprofunda os problemas.
Se há algo que a história nos ensina, é que os ciclos de moralismo exacerbado raramente terminam bem. A verdadeira transformação só ocorre quando as pessoas reconhecem suas próprias frustrações e passam a exigir mudanças concretas, e não apenas a condenação seletiva do outro. Até lá, continuaremos reféns de uma infelicidade que se disfarça de virtude, mas que, na verdade, apenas reforça o atraso e a opressão.