Dzongsar Jamyang Khyentse, renomado mestre do budismo tibetano, cineasta, escritor e professor espiritual. Nascido em 1961 no Butão, reconhecido como um importante tulku, ou reencarnação de mestres espirituais, pertencente à linhagem Khyentse, que faz parte da escola Nyingma do budismo tibetano. Ele nos oferece um dos ensinamentos mais profundos e desafiadores da tradição budista: contemplar a impermanência. Este não é um conceito para ser apenas entendido intelectualmente, mas uma verdade a ser vivida e experienciada, pois toca o cerne da existência humana.
A impermanência é, ao mesmo tempo, uma dádiva e uma ruptura. É a dinâmica constante do universo que nos lembra da fluidez da vida, das mudanças inevitáveis e da impossibilidade de agarrar-se a qualquer coisa de forma permanente. Tudo que vemos, amamos e experienciamos – das montanhas aparentemente imutáveis aos nossos próprios pensamentos fugazes – está em constante transformação.
Contemplar a impermanência é reconhecer que o que consideramos sólido, eterno e seguro é, na realidade, efêmero. Porém, ao contrário de nos desesperarmos diante dessa constatação, Khyentse nos convida a acolhê-la com serenidade. É precisamente por causa da impermanência que a renovação é possível, que os sofrimentos passam e que há espaço para o renascimento.
Quando ignoramos a impermanência, nos prendemos a ilusões: acreditamos na permanência dos nossos corpos, na estabilidade das relações e na eternidade dos prazeres. Essa ignorância nos faz sofrer, pois tudo aquilo que tentamos manter estável inevitavelmente muda ou desaparece. Por outro lado, ao aceitar a impermanência, aprendemos a navegar a vida com leveza, desapego e compaixão.
Contemplar a impermanência é mais do que um exercício de aceitação; é um portal para a liberdade. É na transitoriedade que reside a essência da prática espiritual, pois nos ensina que o momento presente é tudo o que temos – e que cada instante é precioso justamente porque é passageiro.
Dzongsar Jamyang Khyentse nos provoca a refletir: se tudo é impermanente, como estamos vivendo? Estamos investindo em valores e práticas que transcendem as mudanças externas ou estamos desperdiçando nossa energia tentando resistir ao inevitável?
Ao contemplar a impermanência, não buscamos um vazio desolador, mas uma compreensão que nos liberta. Afinal, a beleza da vida está em sua natureza mutável, e o despertar começa quando paramos de lutar contra essa verdade e aprendemos a dançar com ela.
A Sociedade Ocidental e o Véu da Ilusão: Uma Crítica à Resistência à Impermanência
A sociedade ocidental, em sua formação histórica e cultural, foi erguida sobre fundamentos profundamente falhos, baseados em narrativas que privilegiam a perspectiva eurocêntrica e distorcem a realidade. Esse arcabouço, muitas vezes sustentado por mentiras convenientes, reforça uma visão de mundo rígida, hierárquica e ilusoriamente estável, que rejeita a essência da impermanência como fundamento da existência.
Desde os tempos coloniais, o Ocidente construiu seu poder a partir de uma narrativa que glorifica o progresso linear, a supremacia racial e a centralidade de sua visão sobre o mundo. Esta estrutura ignora a pluralidade de conhecimentos ancestrais, a sabedoria dos povos originários e a dinâmica natural da vida, em que nada é fixo ou imutável. A resistência à impermanência é evidente na obsessão com o controle: a tentativa de dominar a natureza, perpetuar ideologias e cristalizar sistemas sociais que favorecem uma elite em detrimento da maioria.
As Ferramentas do Atraso: Religião, Ignorância e Manipulação
Entre os pilares que sustentam essa recusa à transitoriedade está a religião institucionalizada, que muitas vezes apresenta dogmas como verdades absolutas e imutáveis. A promessa de vida eterna, a culpa perpétua e as hierarquias espirituais tornam-se instrumentos para manter a mente das pessoas aprisionada em um paradigma que nega a mutabilidade e reforça a subjugação.
A ignorância, alimentada deliberadamente por sistemas educacionais falhos e manipuladores, é outra ferramenta poderosa. Em vez de cultivar o pensamento crítico e o reconhecimento das múltiplas realidades, a educação ocidental frequentemente reforça a narrativa eurocêntrica, apagando histórias, culturas e saberes que poderiam desestabilizar essa estrutura ilusória.
No campo político, a manipulação mantém o ciclo de atraso. Governos e corporações exploram o medo da mudança para consolidar poder, promovendo políticas que incentivam o consumismo, a desigualdade e a perpetuação de privilégios. O povo é levado a acreditar que a estabilidade econômica ou ideológica é possível, quando, na realidade, o mundo está em constante transformação.
A Consequência do Apego ao Falso
Essa resistência à impermanência tem um custo profundo. A sociedade ocidental vive em um estado de tensão contínua, tentando proteger suas falsas seguranças contra a verdade inevitável de que tudo muda. Este apego gera sofrimento coletivo: crises ecológicas, desigualdades extremas, e um vazio existencial que nenhum avanço tecnológico ou acumulação material consegue preencher.
Enquanto isso, saberes ancestrais, muitas vezes marginalizados, ensinam o que o Ocidente insiste em ignorar: a vida é impermanente, e é nesse fluxo que encontramos significado. A recusa em aceitar essa verdade não só mantém a humanidade desconectada de sua essência, mas também acelera a degradação do planeta e de nossas próprias consciências.
Caminhos para Libertar-se da Ilusão
Superar este paradigma exige coragem para desconstruir as mentiras que nos foram ensinadas. A contemplação da impermanência, como ensinada em tradições filosóficas e espirituais do Oriente e das culturas originárias, oferece uma saída. Reconhecer que a vida é transitória permite desapegar-se de sistemas opressivos e ilusórios, abrindo espaço para uma sociedade mais fluida, adaptável e compassiva.
A reeducação é essencial. É preciso recuperar saberes marginalizados, incorporar a diversidade de perspectivas e ensinar às novas gerações que a mudança não é uma ameaça, mas uma oportunidade. Além disso, questionar as instituições que perpetuam dogmas e desigualdades – sejam elas religiosas, políticas ou econômicas – é um passo fundamental para romper o ciclo de manipulação.
A sociedade ocidental está em um momento de inflexão. Ou aceita a impermanência como parte da realidade e renasce de suas próprias ruínas, ou continuará a se afogar na ilusão de estabilidade. Reconhecer a falsidade dos fundamentos sobre os quais foi construída é um ato de coragem que pode abrir caminho para um futuro verdadeiramente coletivo, inclusivo e alinhado com a natureza essencial da vida.
Wanderson Dutch
Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.