Para alcançar algo, sempre há um preço a pagar—toda conquista exige uma renúncia.

A vida é um constante equilíbrio entre perdas e ganhos. Desde o momento em que nascemos, já estamos trocando o conforto do útero pelo desconhecido do mundo. Crescemos e, a cada passo, deixamos algo para trás. Para andar, abandonamos o colo. Para falar, renunciamos ao choro como única forma de expressão. Para amadurecer, sacrificamos a inocência. Cada escolha que fazemos desenha um caminho, mas também fecha portas.

Muitos tentam se agarrar a tudo, com medo de perder. Mas o paradoxo da vida é cruel e honesto: ao tentar segurar tudo, acabamos segurando nada. É preciso abrir mão para abrir espaço. Precisamos perder algumas ilusões para encontrar a verdade. Precisamos deixar ir certas relações para encontrar a nós mesmos. Precisamos soltar velhas versões de quem fomos para nos tornarmos quem podemos ser.

O que você está disposto a perder?

O grande dilema da existência não é apenas conquistar, mas compreender o preço dessas conquistas. Quer liberdade? Prepare-se para perder certezas. Quer sucesso? Prepare-se para abrir mão do conforto. Quer evolução? Esteja pronto para deixar partes de si mesmo para trás. Como uma cobra que troca de pele ou uma árvore que se despe de folhas no outono, o crescimento verdadeiro exige uma entrega.

No entanto, perder nem sempre significa fracassar. O filósofo Nietzsche dizia que “é necessário ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante.” A desconstrução é parte da construção. Muitas vezes, o que parece ser uma perda irreparável é, na verdade, uma libertação.

O medo da perda é o que nos aprisiona

Apegamo-nos ao que conhecemos porque nos dá segurança. Mas segurança e crescimento raramente andam juntos. É por isso que tantos se acomodam em vidas que não querem, em empregos que odeiam, em relacionamentos que os sufocam. Porque o medo de perder parece maior que a coragem de ganhar algo novo.

Mas aqui está a verdade: não existe evolução sem despedida.

Mestres espirituais sempre ensinaram isso de formas diferentes. O Buda dizia que o sofrimento nasce do apego

“O que a vida quer da gente é coragem.” – Guimarães Rosa.

Coragem para se reinventar. Coragem para abandonar aquilo que, um dia, já foi parte essencial de nós. Coragem para abrir mão do voo e aceitar o peso dos pés no chão. Mas também a coragem de perguntar: será que o preço que pagamos pela suposta evolução não é, muitas vezes, a renúncia do que nos tornava livres?

A imagem retrata mais do que uma simples transição; ela traduz um dilema profundo da existência humana. Um ser, outrora alado, agora veste o uniforme do mundo, arrasta sua rotina como quem carrega uma cruz disfarçada de estabilidade. Suas asas, jogadas no lixo, são o símbolo de algo que um dia foi essencial, mas que não cabia mais na nova trajetória.

Lembro-me de uma reflexão que tive após horas de meditação na virada de 2024 para 2025: “Às vezes, é preciso ter menos para ter mais.” O tempo revelou isso a mim de forma silenciosa, e eu compreendi que todo ganho exige um preço, toda ascensão pede um sacrifício. Mas será que perder a leveza é o único caminho para construir algo sólido?

A solidão é perigosa.
Ela é viciante.
Uma vez que você percebe quanta paz há nela, você não quer mais lidar com as pessoas.

A imagem de destaque desse texto captura essa mesma sensação. O personagem se distancia, caminha sozinho, de cabeça baixa, num mundo onde o voo já não faz sentido. Ele encontrou paz ou simplesmente se conformou? A fronteira entre liberdade e isolamento é tênue, e muitas vezes o que chamamos de crescimento é apenas uma adaptação forçada a um ambiente que nos exige encaixe.

A sabedoria africana nos lembra: “Cuide do seu coração e melhore sua relação com o tempo.” Mas o que acontece quando o tempo nos obriga a abandonar partes de nós mesmos? O coração sente, a alma pesa. E, no entanto, seguimos.

Entre os povos originários das Américas, há um provérbio indígena que diz: “Quando o último rio secar, quando a última árvore cair, perceberemos que dinheiro não se come.” É um alerta sobre as trocas que fazemos, sobre como, muitas vezes, abrimos mão do essencial para perseguir algo que, no fim, pode não nos alimentar. Jogamos nossas asas no lixo e ganhamos um terno. Trocamos liberdade por funcionalidade. Mas quem disse que era a única escolha possível?

A verdade é que o mundo moderno nos empurra para um molde que nem sempre nos serve. Ele nos diz que para ser alguém, precisamos abrir mão de quem somos. Mas não há caminho único. Existem outras formas de voar, outras formas de andar. Talvez o segredo não seja abandonar as asas, mas aprender a usá-las de um jeito diferente.

A vida pede coragem. Mas coragem também pode ser dizer não a certas renúncias. Talvez o verdadeiro desafio não seja apenas seguir adiante, mas carregar consigo aquilo que nos faz inteiros

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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