O continente africano tem sido alvo de uma estratégia persistente de desqualificação ao longo de séculos. Uma das premissas mais notórias utilizadas para justificar a subalternidade deste vasto território — correspondendo a um quarto das terras emersas do globo — foi a suposta “ausência de civilização”, retratando-o como habitado por povos bárbaros e incultos.
No entanto, pesquisas históricas, geográficas e antropológicas têm desafiado essa narrativa ficcional. Na verdade, a África não apenas foi o berço da humanidade, mas também foi o epicentro das primeiras grandes manifestações culturais e civilizacionais, com destaque para o antigo Egito.
Este protagonismo cultural persistiu ao longo dos séculos. Nas vastas planícies da África Ocidental, majestosos impérios entre o Golfo da Guiné e o Deserto do Saara, como o Mali, não apenas prosperaram mas também foram centros de inovação científica. As magníficas bibliotecas do Império do Mali, por exemplo, são um testemunho desse legado.
O Mali, um vasto estado tradicional africano que ocupava as terras ao longo do rio Níger e Senegal, foi fundado por Sundjata Keita no século XIII, alcançando renome no mundo muçulmano e europeu.
Sob a liderança dos Mansas, como eram conhecidos os imperadores do Mali, diferentes grupos étnicos conviviam harmoniosamente em um estado que sustentava uma população estimada entre 40 e 50 milhões de habitantes. Isso demonstra uma organização interna capaz de atender às necessidades de uma grande população.
Graças à estabilidade política e à produtividade de seus habitantes, o Mali viu avanços notáveis em todos os aspectos: técnico, econômico, social, político e cultural. Contrariando estereótipos discriminatórios sobre a África, o império dos Mansas demonstrou um profundo compromisso com o avanço científico.
Timbuktu, localizada no atual Mali, tornou-se sinônimo de um lugar distante, mas já foi um centro de aprendizado, religião e comércio. Famosa por suas mesquitas de barro e suas coleções de milhares de manuscritos acadêmicos, Timbuktu foi crucial no intercâmbio global de conhecimento, especialmente entre os séculos XI e XX.
Esses manuscritos, que enfrentaram ameaças ao longo do tempo, incluindo períodos de conflito com rebeldes islâmicos, foram preservados graças aos esforços de residentes locais e acadêmicos globais. Mais de 40.000 páginas, datando de séculos passados até os dias atuais, foram digitalizadas e estão disponíveis no portal “Mali Magic” do Google Arts and Culture, oferecendo acesso público a artefatos que antes eram pouco conhecidos.
Nos séculos XIV e XV, Timbuktu era famosa pela Mesquita Djinguereber e pela Universidade de Sankoré, centros fundamentais de aprendizado que atraíam estudiosos de diversas partes do mundo para trocas de conhecimento e sabedoria durante uma era de ouro de riqueza e comércio na cidade.
No verão de 2012, a Al-Qaeda começou a se expandir territorialmente no Mali, destruindo tudo que era considerado proibido na visão distorcida da ideologia salafi-wahhabi.
Diante das incursões da Al-Qaeda na região de Timbuktu, o proprietário da biblioteca, Abdel Kader Haidara, embalou silenciosamente as antigas obras de astronomia, poesia, história e direito em caixas e retirou-as da biblioteca em carrinhos de mulas para protegê-las em casas espalhadas pela cidade.
E não parou por aí: ao longo de nove meses, ele e sua equipe resgataram 350.000 manuscritos de 45 bibliotecas diferentes em Timbuktu e os esconderam em Bamako, fora do alcance dos terroristas.
A operação de resgate improvisada se transformou numa verdadeira Odisséia, onde Haidara e seus colaboradores transportaram por rios e estradas, passando por terroristas, militares, bandidos e outros obstáculos, quase todos os 350.000 manuscritos de Timbuktu. Com isso, eles impediram que a coleção de manuscritos históricos mais significativa do país caísse nas mãos da Al-Qaeda no Mali.
Gostou? Compartilhe!
Tenho dito: Conhecimento é poder!