O Mestre Oculto que Dominou o Rio de Janeiro do Século XIX

Quantas histórias importantíssimas eles esconderam de nós? Inúmeras, não é mesmo? Os escravocratas e seus descendentes esconderam e ainda escondem diversos fatos importantes que nos conectam aos nossos bravos ancestrais que lutaram incansavelmente pela liberdade e dignidade. No Brasil, a riqueza da cultura africana foi deliberadamente silenciada, apagando a influência e as contribuições significativas de nossos ancestrais em várias esferas da vida.

A história oficial, escrita pelos vencedores, frequentemente omite as narrativas de resistência, bravura e contribuição dos africanos e seus descendentes. Personagens como Juca Rosa, que desempenharam papéis fundamentais na manutenção e disseminação das práticas religiosas afro-brasileiras, foram vilipendiados ou relegados ao esquecimento. Os quilombos, espaços de resistência e liberdade, foram muitas vezes retratados apenas como focos de rebelião, sem o devido reconhecimento de suas estruturas sociais complexas e sua importância cultural.

Além disso, os conhecimentos ancestrais sobre medicina, agricultura, arte e espiritualidade foram sistematicamente desvalorizados e suprimidos. As práticas de cura e os rituais espirituais trazidos da África, que ajudaram a manter a saúde e a coesão das comunidades negras, foram demonizados e perseguidos. A sabedoria ancestral, passada de geração em geração, sobreviveu apesar das tentativas constantes de apagamento cultural.

As contribuições dos africanos e seus descendentes para a economia e a sociedade brasileira também foram subestimadas. A construção de cidades, o desenvolvimento da agricultura e a formação de diversas tradições culturais e culinárias são, em grande parte, fruto do trabalho e do conhecimento desses povos. No entanto, essas contribuições são frequentemente esquecidas ou minimizadas nos livros de história e na memória coletiva.

A ocultação dessas histórias não é apenas uma questão de omissão histórica; é uma estratégia de desumanização que busca negar a importância e a agência dos africanos e seus descendentes na formação da identidade nacional. Reconhecer e celebrar essas histórias é um ato de resistência e de reivindicação de uma herança que foi injustamente negada.

Hoje, há um movimento crescente para recuperar e valorizar essas histórias ocultas. Através de pesquisas, literatura, artes e educação, estamos desenterrando as narrativas de nossos ancestrais, celebrando sua resiliência e sabedoria. É um processo vital para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde todos os aspectos de nossa herança cultural sejam reconhecidos e honrados.

Resgatar essas histórias é mais do que um dever histórico; é um passo essencial para fortalecer nossa identidade e garantir que as gerações futuras conheçam e se orgulhem de suas raízes. Ao honrar a memória de nossos ancestrais, estamos também afirmando nosso lugar no mundo e reivindicando a dignidade e o respeito que nos são devidos.

Sem mais delongas!

Juca Rosa foi, sem dúvida, o Pai de Santo mais temido e conhecido do Rio de Janeiro no século XIX. Seu nome aparecia frequentemente nos periódicos brasileiros, especialmente no Diário do Rio de Janeiro. Para se ter uma ideia da importância de sua figura, existem mais de 480 documentos históricos e menções ao seu nome nos jornais das décadas finais dos anos 1800.

Africanas, Rio de Janeiro, 1845.

As fontes históricas indicam que ele nasceu no Rio de Janeiro em 1833. Nada se sabe sobre seu pai, mas sua mãe era africana, e foi ela quem lhe transmitiu os conhecimentos e rituais antigos praticados na África, especialmente na Nigéria e no Benin. Juca dizia nunca ter sido formalmente escravizado e trabalhou como cocheiro, criado e alfaiate.

Contudo, a narrativa de que nunca teria sido escravizado é questionável, pois um filho de uma africana nascido no Brasil da década de 1830 muito provavelmente teria sido escravizado, com raras exceções, como o barão africano riquíssimo Francisco Paulo de Almeida. Por isso, a afirmação de que Juca teria sido Praça do Exército é um indício de como ele teria obtido sua liberdade.

Acredita-se que Juca exerceu o que os periódicos da época chamavam de feitiçaria por um longo período sem ser importunado pela polícia. Seu culto ganhou grande notoriedade e sua base de fiéis cresceu. Há diversos relatos que indicam a presença de pessoas da elite senhorial em sua “casa de dar fortuna”, suspeitando-se do envolvimento de políticos em seu culto, como o Deputado do partido Conservador, Duque Estada Teixeira. Dizem que a elite da época o chamava de mago supremo.

Os seguidores de Juca o chamavam por diversos nomes, como Pai Quibombo e Pai Vencedor. Acredita-se que esses eram os nomes das entidades que eram incorporadas por Juca.

Brasil, Rio de Janeiro 1840

Tudo parecia prosperar em sua casa de dar fortuna até que, em 1870, uma denúncia anônima pôs tudo a perder. Os jornais acusaram Juca Rosa de feitiçaria, charlatanismo, de “corromper mulheres casadas e jovens donzelas” e de ofensas à religião cristã. Contudo, mesmo que fossem verdadeiras tais acusações, essas condutas não eram proibidas pelo Código Criminal de 1830. As práticas religiosas de Juca Rosa estavam resguardadas pelas normas vigentes, mas o subterfúgio jurídico utilizado foi o crime de estelionato.

Seguiu-se um processo judicial amplamente divulgado pelos jornais, principalmente pelo Diário do Rio de Janeiro, que aumentou exponencialmente sua tiragem. Juca Rosa e seu advogado Jansen Júnior utilizaram todos os meios e estratégias possíveis para tentar reverter o que parecia inevitável: a condenação do Pai de Santo. Juca chegou a publicar uma nota em resposta às ofensas que eram diariamente publicadas contra ele na imprensa, mas não adiantou.

Em julho de 1871, o Juiz João Alfredo Correia de Oliveira condenou Juca Rosa a seis anos de prisão. Preso em sua cela, José Sebastião Rosa sumiu dos jornais, mas a alcunha de Juca Rosa se perpetuou, passando a ser utilizada como sinônimo dos pretos feiticeiros, donos de casas de dar fortuna, atuantes em batuques, zungus, candombes e candomblés.

José Sebastião Rosa deixou a prisão em 26 de julho de 1877 e desapareceu por completo dos periódicos. Juca Rosa se tornou um grande símbolo das religiões afro-brasileiras no Rio de Janeiro do século XIX.

Seu caso é emblemático: ele conseguiu manter o culto aos orixás ativo, sem grandes interferências policiais, pois existiam muitas lendas em torno dele, o que gerava temor e medo em muitas autoridades.

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Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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