O fim do esforço, o poder do diálogo interno: Jiddu Krishnamurti

Parece loucura pensar no fim do esforço, não é? Completamente contrário ao que este mundo nos dita o tempo inteiro: “trabalhe enquanto eles dormem”, “quem cedo madruga, Deus ajuda”, “esforce-se até a exaustão, que o sucesso vem”. São pensamentos enraizados em uma narrativa tóxica, que nos afasta da essência do que realmente somos e da forma como o universo funciona.

A natureza, essa grande mestra, nos ensina a todo momento que a vida flui sem esforço. O pássaro voa sem calcular cada batida de asa; o sol nasce e se põe sem planejamento estratégico; nossos pulmões respiram sem ordens conscientes. Então, por que acreditamos que o esforço incessante é o único caminho para conquistas?

Desde cedo, aprendi a ouvir os mais velhos, pois em África há um respeito profundo pela sabedoria ancestral. Como diz um provérbio africano: “Quando os mais velhos se sentam e conversam, as árvores ouvem e as pedras aprendem.” Foi assim que encontrei Krishnamurti e suas reflexões libertadoras. Ele nos convida a abandonar o esforço compulsivo, a cessar a busca incessante pelo “vir a ser” e, assim, experimentar a plenitude do ser.

O esforço: uma construção colonial e capitalista

“Trabalhe enquanto eles dormem”

Nossa crença no esforço como único caminho para o sucesso não surgiu do acaso. Durante séculos, o sistema colonial impôs à população africana e indígena a ideia de que só pelo trabalho exaustivo poderíamos alcançar dignidade. O chicote, as plantações, as jornadas sem fim. E o que recebemos em troca? Não era riqueza, mas a normalização da exaustão.

Trabalhe, trabalhe muito enquanto eles herdam!

Essa ordem não escrita molda comportamentos, decisões e percepções sobre o trabalho na sociedade contemporânea. Trata-se de uma narrativa que, há séculos, estrutura relações de poder e legitima desigualdades. O esforço incessante, amplamente exaltado como virtude, é, na realidade, uma construção social meticulosamente projetada para manter intacta a engrenagem colonial e capitalista.

A gênese histórica do esforço como ferramenta de controle

O conceito de trabalho extenuante como caminho para a dignidade não é uma verdade universal, mas uma ideia sistematicamente implantada durante a colonização. Durante o tráfico transatlântico, corpos africanos foram sequestrados, escravizados e forçados a trabalhar até a exaustão nas plantações das Américas. O trabalho compulsório não visava o desenvolvimento pessoal, mas a manutenção de um sistema econômico que concentrava riqueza nas mãos de poucos.

Nas sociedades africanas tradicionais, o trabalho sempre esteve relacionado ao equilíbrio com a natureza e à coesão comunitária. Contudo, o sistema colonial subverteu essa lógica, impondo o labor como instrumento de dominação. O discurso religioso, por sua vez, reforçou essa imposição: o sofrimento terreno foi apresentado como um caminho para a salvação, enquanto os frutos desse sofrimento eram apropriados por impérios europeus.

Um provérbio africano ensina: “O machado esquece, mas a árvore lembra.” A memória coletiva dos povos africanos mantém viva a consciência de que o trabalho compulsório nunca foi sinônimo de prosperidade, mas sim de exploração sistemática.

A perpetuação da lógica colonial no capitalismo moderno

Com o fim oficial da escravidão, o discurso foi ajustado, mas a estrutura permaneceu. O capitalismo moderno, que sucedeu o sistema colonial, assimilou e refinou essa ideologia. A glorificação do esforço, hoje disfarçada em frases motivacionais como “no pain, no gain” e “trabalhe enquanto eles dormem”, é a herança direta desse passado.

Essa narrativa é particularmente eficiente porque ignora as assimetrias históricas. Enquanto muitos acreditam que o trabalho árduo é o caminho universal para o sucesso, o sistema capitalista segue beneficiando, sobretudo, aqueles que herdaram patrimônio, privilégios e redes de influência. O conceito de meritocracia, tão difundido nas últimas décadas, sustenta-se na crença ilusória de que esforço e sucesso são diretamente proporcionais.

O economista político Karl Polanyi já alertava sobre o perigo de transformar o trabalho humano em mercadoria. O capitalismo, ao mercantilizar o tempo e a energia das pessoas, subverte a essência da existência humana, transformando vidas em números, produtividade e metas inatingíveis.

Krishnamurti nos ensina que o esforço contínuo é uma prisão mental. O ser não precisa lutar para existir. O esforço para ser aceito, ser suficiente, ser bem-sucedido é uma armadilha da mente, alimentada por um sistema que lucra com nossa ansiedade e esgotamento.

Nesse ponto, me lembro de outro provérbio africano: “Quando não há inimigo interior, o inimigo exterior nada pode fazer.” O verdadeiro desafio não está no esforço externo, mas na desconstrução interna dessa crença. O diálogo interno, quando baseado na verdade e não no medo, é libertador.

O poder do diálogo interno e a reconexão com o ser

Por muito tempo, repeti as frases que o mundo impôs: “Preciso me esforçar mais”, “Não posso descansar agora”, “O tempo é dinheiro”. Mas com o tempo, percebi que esse diálogo me afastava da minha essência.

Krishnamurti diz que “ao findar o esforço para vir-a-ser, surge a plenitude do ser”. E o que é esse ser, afinal? É a presença plena no momento, sem necessidade de provar nada. Quando paramos de negociar com o tempo e apenas existimos, o fluxo acontece. As oportunidades surgem, não pelo esforço desmedido, mas pela sintonia com nossa verdadeira natureza.

A prática desse diálogo interno requer coragem. Não é simples abandonar a narrativa do esforço. No entanto, ao substituir frases de cobrança por perguntas de curiosidade e acolhimento, tudo muda. Hoje, ao invés de perguntar “Como posso me esforçar mais?”, pergunto: “Como posso estar mais presente agora?”

O fim do esforço é o início da liberdade

Não se trata de preguiça ou conformismo. Trata-se de compreender que o universo não é movido por suor, mas por energia consciente. Quando estamos alinhados com quem somos, a ação flui naturalmente. O fim do esforço não é o fim da ação, mas o começo de um agir pleno, leve e conectado com o fluxo da vida.

Recomendo o documentário “The Mind Explained” (Netflix), que aborda o funcionamento da mente e como crenças enraizadas moldam nossas vidas.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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