Em 2014, eu não estava apenas concluindo um curso de Letras — eu estava sobrevivendo. Era o primeiro da minha família a chegar ao ensino superior. Um africano nascido no Brasil, sem raízes claras, sem referências espirituais ancestrais, e com uma história de abandono social e familiar como tantas outras — mas que, naquele momento, decidia não se render à narrativa da escassez.
Estudava Português e Inglês numa faculdade particular no Espírito Santo. Pagava o curso com o salário apertado de R$ 800 mensais. Descontando aluguel, transporte, alimentação e a mensalidade que passava dos R$ 500, sobrava pouco mais que poeira nos bolsos. Ainda assim, todos os dias eu saía de casa para estudar e trabalhar numa livraria chamada Nobel. E foi nesse lugar — entre livros e sobrevivência — que um arquétipo cruzou meu caminho para nunca mais sair.
A bruxa e o elefante
Era um dia comum na livraria quando uma mulher entrou. Seus traços lembravam uma personagem saída de outro tempo: cabelos volumosos, adereços exóticos, olhar intenso. Ela perguntou por um livro sobre a história de Ganesha.
Eu, com 20 e poucos anos e nenhuma intimidade com a mitologia hindu, respondi: “Não conheço”.
Ela me olhou, sorriu com a calma de quem sabe o que está fazendo, e disse:
“Então você precisa conhecer.”
Naquele momento, algo se moveu em mim. Algo que eu não conseguia nomear. Uma lembrança que não era racional. Um chamado que não era urgente — mas era profundo. Era como se eu já soubesse quem era Ganesha, mesmo sem nunca ter lido nada sobre ele. A semente foi plantada ali.
Quem é Ganesha?
Para a tradição hindu, Ganesha é o Senhor dos Inícios, o Removedor de Obstáculos. É representado com cabeça de elefante, barriga arredondada, um dos dentes quebrado e quatro braços que seguram diferentes objetos simbólicos. Ele cavalga um rato, um símbolo poético que representa o controle dos desejos e do ego.
Ganesha é filho de Shiva e Parvati, figuras centrais no panteão hindu. Segundo a lenda, Parvati criou Ganesha com a pasta do seu próprio corpo, moldando-o enquanto tomava banho e pedindo que ele guardasse a porta. Quando Shiva voltou e tentou entrar, Ganesha o impediu — sem saber que era seu pai. Em fúria, Shiva corta-lhe a cabeça. Mais tarde, ao entender o equívoco, substitui a cabeça de Ganesha por uma de elefante, símbolo de sabedoria e força.
Mas Ganesha é mais do que um mito. Ele é um arquétipo. Um campo de consciência. Uma vibração que representa recomeço, superação, inteligência emocional e sabedoria espiritual. E foi isso que ele começou a me ensinar — silenciosamente — desde aquele dia.
A fé como tecnologia interna
Diferente de muitas figuras religiosas, Ganesha não exige submissão. Ele não promete paraísos futuros, nem cobra confissões. Ele apenas está. Um símbolo disponível para quem estiver disposto a ativá-lo com intenção.
E foi isso que eu fiz.
Depois daquele encontro com a mulher da livraria, comecei a estudar mais sobre ele. Li sobre a Índia, sobre o hinduísmo, sobre os arquétipos. E, aos poucos, Ganesha começou a aparecer na minha vida como um campo vibracional. Às vezes em imagens, às vezes em sonhos. Mas principalmente em sincronicidades.
Comecei a ouvir mantras. O famoso “Om Gam Ganapataye Namaha” se tornou uma trilha sonora interna. Bastava ouvi-lo para que meu campo mental se reorganizasse. Ainda hoje, ao ouvir esse som, sinto meu subconsciente trabalhar a favor da abundância. É quase automático. É como se um botão fosse apertado dentro de mim — e o fluxo começasse a operar.
Depois da perda, o renascimento
Em 2015, um amigo próximo faleceu. Foi um golpe emocional profundo. Na época, eu já lia Nietzsche, já estava flertando com o niilismo, questionando tudo. Mas não fui para o buraco. Pelo contrário: esse luto foi uma outra travessia. Um segundo nascimento.
Foi ali que minha relação com o sagrado deixou de ser teórica e se tornou orgânica. Ganesha foi uma das presenças que me acompanhou nesse mergulho. Não como “Deus externo”, mas como símbolo interno de reinício. Ele não prometeu consolo. Ele me deu estrutura. E ali, sem perceber, eu comecei a me tornar o meu próprio caminho.
A espiritualidade como autoria
A grande virada foi compreender que a fé, como dizia Jesus, “é tua”. A tua fé te salva. O teu código interno é que move a engrenagem. O arquétipo é só o símbolo. O poder está em quem ativa, não no símbolo em si.
E foi com Ganesha que eu entendi isso com nitidez. O arquétipo funciona porque eu funcionei primeiro. Porque eu acredito. Porque eu emito a frequência. Porque eu acesso. E isso é a espiritualidade em sua forma mais pura: não a que segue, mas a que cria. A que projeta. A que reconhece que o mundo não é visto — é interpretado. E o que você chama de realidade é apenas a soma dos teus significados.
A casa, o silêncio, o fluxo
Hoje, anos depois daquele encontro na livraria, eu ainda carrego Ganesha comigo. Mas não em forma de ídolo, nem de culto. Ele está no meu silêncio. Está na minha casa. Está no modo como eu lido com o inesperado.
E está no dinheiro que chega.
Sim, porque Ganesha também é símbolo de prosperidade. Não só prosperidade financeira, mas vibracional. A prosperidade de quem vive em coerência. De quem age com clareza. De quem já entendeu que pedir é menos eficiente do que sintonizar.
Muitas das coisas que hoje fluem na minha vida — inclusive financeiramente — começaram a acontecer depois que eu aprendi a me conectar com o arquétipo de Ganesha de forma profunda. Bastava ouvir o mantra, e algo já se reorganizava. Não por milagre. Mas porque eu já havia me tornado o milagre.
Por fim, não menos importante:
O arquétipo é você
É essencial compreender que Ganesha não está fora. Ele nunca esteve. Ganesha é um reflexo do que já vive dentro de você. Ele é a inteligência que remove bloqueios não apenas do caminho físico, mas das camadas mais sutis da mente e da alma. Não existe deus externo sentado em um trono, nem entidade vigilante distribuindo recompensas. O sagrado não opera fora de nós — ele pulsa dentro. A consciência infinita, que se manifesta em múltiplas formas arquetípicas como Ganesha, é uma força disponível a todos que estiverem dispostos a acessá-la. Você é o canal. Você é o emissor. Você é quem aciona a abundância quando reconhece que ela já vibra em você.
E sim, o mantra atrai riqueza. Ele realinha o campo, dissolve resistências internas e abre portais de possibilidade. As oportunidades começam a surgir — muitas vezes de formas inesperadas, em caminhos que antes pareciam bloqueados. Porque ao repetir esse som sagrado, eu me torno um imã. Um emissor sintonizado com o fluxo do universo. O mantra reorganiza meus pensamentos, eleva meu estado emocional e ativa a percepção sutil que me guia a agir com mais clareza. E é nesse novo estado que portas se abrem, conexões aparecem e o dinheiro flui. Não porque vem de fora. Mas porque eu me tornei alguém capaz de reconhecê-lo, recebê-lo e sustentá-lo.
Esse texto não é sobre religião. Não é sobre Índia. Nem sobre crenças.
É sobre a capacidade de acessar símbolos que nos ajudem a reorganizar o caos.
No meu caso, foi Ganesha.
Talvez no seu seja outra figura, outro nome, outro som, ou simplesmente você mesma(o).
Não importa.
O importante é lembrar que o símbolo é um espelho.
E que toda fé, quando bem ancorada, não aponta para fora — aponta pra dentro.
Porque o caminho mais curto até o sagrado continua sendo o mesmo:
a travessia interior.
E como eu descobri naquele dia na livraria:
a verdade, às vezes, chega vestida de bruxa…
pedindo um livro…
e te apontando de volta pra casa.