No Rio de Janeiro, uma realidade alarmante tem se desdobrado nos últimos anos: o fechamento coercitivo de terreiros de candomblé, umbanda e igrejas católicas por traficantes autointitulados evangélicos. Esse fenômeno, inserido em uma complexa teia de intolerância religiosa e poder paralelo, revela uma faceta perturbadora da criminalidade no Brasil, onde as chamadas “milícias de Cristo” exercem um controle violento sobre comunidades vulneráveis.
A realidade dos traficantes evangélicos é mais sombria do que se imagina. Recentemente, o portal Metrópoles divulgou uma matéria sobre o notório caso de Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão. Ligado à facção Terceiro Comando Puro (TCP), Peixão atua no Complexo de Israel, na zona norte do Rio de Janeiro, controlando o tráfico de drogas em áreas como Parada de Lucas e Cidade Alta, em Cordovil. Criado por uma mãe umbandista, Peixão agora se declara evangélico e tem promovido atos de intolerância religiosa nas regiões sob seu domínio, inclusive proibindo o funcionamento de terreiros de matrizes africanas e intimidando igrejas católicas locais.
Peixão, atualmente foragido e alvo de pelo menos nove mandados de prisão por diversos crimes, foi identificado como líder de uma quadrilha desarticulada pela Operação Boi da Cara Preta, conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro e pela 58ª DP (Posse). A operação revelou a cumplicidade de policiais militares e civis que, em troca de propina, não combatiam o tráfico e forneciam informações privilegiadas aos criminosos. Peixão também é acusado de organizar ataques armados na Zona Norte, utilizando a Favela Kelson’s como base para tentar retomar a Cidade Alta.
Essa problemática deve ser analisada a partir de três pontos principais que financiam e sustentam esses grupos:
- Conivência e Corrupção Policial: A corrupção dentro das forças de segurança é um pilar crucial para a perpetuação do poder desses traficantes. Policiais militares e civis que deveriam proteger a população acabam se tornando cúmplices, recebendo propinas em troca de omissão e proteção aos criminosos. Essa simbiose criminosa dificulta a aplicação da lei e perpetua a violência e a impunidade.
- Instrumentalização da Religião: A utilização da fé evangélica como ferramenta de controle social é outro aspecto fundamental. Traficantes como Peixão se autodenominam “evangélicos” e impõem uma versão distorcida da religião para legitimar seus atos de violência e intolerância. Essa instrumentalização da fé não apenas desvirtua os princípios religiosos, mas também fomenta o ódio e a exclusão, minando a convivência pacífica entre diferentes crenças.
- Economia do Tráfico e Poder Paralelo: O tráfico de drogas é a principal fonte de renda para esses grupos, proporcionando os recursos necessários para sustentar suas operações e ampliar seu controle territorial. A economia paralela do tráfico não apenas financia a compra de armamentos e subornos, mas também cria uma estrutura de poder que rivaliza com o Estado, oferecendo “proteção” e “justiça” em áreas onde a presença estatal é fraca ou inexistente.
A atuação dessas milícias religiosas representa um desafio complexo para a sociedade e as autoridades. O vínculo entre o tráfico de drogas e a religião cria uma dinâmica perversa, onde a fé é instrumentalizada para legitimar atos de violência e exclusão. Esse contexto dificulta a ação policial e judicial, pois a presença desses grupos em comunidades carentes muitas vezes é reforçada por uma rede de apoio local, seja por medo ou por um sentimento de proteção comunitária oferecido por esses traficantes.
A intolerância religiosa perpetrada por esses grupos afeta profundamente a cultura e a espiritualidade afro-brasileira, enraizadas na história e identidade do país. O fechamento de terreiros, além de ser um ataque à liberdade de culto, é também uma tentativa de apagar tradições ancestrais que resistem há séculos à opressão e marginalização.
O combate a esse problema exige uma abordagem multifacetada. É fundamental fortalecer as políticas públicas de segurança que desarticulem essas redes criminosas, mas também é crucial promover a educação e a sensibilização sobre a diversidade religiosa e os direitos humanos. Organizações da sociedade civil, líderes religiosos e o poder público devem unir esforços para denunciar e combater a intolerância religiosa, garantindo a proteção dos espaços sagrados e a liberdade de culto para todos.
Narcopentecostalismo transforma igrejas evnagélicas em fortalezas de poder e controle territorial.