O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, conhecido por sua lucidez e olhar crítico sobre a política latino-americana, tem manifestado uma preocupação crescente com o futuro dos líderes progressistas na região. Para Mujica, figuras como Luiz Inácio Lula da Silva, que desempenharam papéis cruciais na consolidação de projetos sociais e democráticos, são praticamente insubstituíveis. No caso do Brasil, ele aponta que a ausência de um sucessor à altura de Lula representa não apenas um desafio para o país, mas uma tragédia com consequências profundas para a esquerda e para o projeto de inclusão social e desenvolvimento.
Lula, de fato, transcende o papel de um político convencional. Sua trajetória como líder sindical, fundador do Partido dos Trabalhadores e presidente que promoveu avanços significativos em áreas como combate à pobreza e desigualdade, o tornou uma figura histórica, quase mitológica, no cenário nacional e internacional. Entretanto, sua estatura política também evidencia uma fragilidade estrutural: a esquerda brasileira ainda não conseguiu forjar lideranças capazes de herdar o legado de Lula com a mesma força e carisma.
Esse vácuo de sucessão preocupa Mujica e outros observadores atentos à dinâmica política latino-americana. Em um contexto onde a extrema direita avança com discursos polarizadores e simplistas, a ausência de lideranças progressistas de peso coloca em risco os avanços conquistados nas últimas décadas. O desafio para a esquerda vai além de vencer eleições; trata-se de reconstruir sua base ideológica e fortalecer uma nova geração de líderes que consigam dialogar com as complexidades do Brasil contemporâneo, sem depender exclusivamente do legado de Lula.
O Brasil, por sua dimensão continental e peso político na América Latina, é um termômetro para a saúde das democracias da região. A ausência de um sucessor natural para Lula não é apenas um problema interno; reverbera em toda a América Latina, fragilizando as redes de cooperação e resistência progressista frente às crises econômicas, sociais e ambientais que atravessam o continente. Mujica, com sua experiência como líder e sua visão de estadista, enxerga nesse cenário um risco real de retrocesso caso a esquerda não encontre formas de se renovar e articular uma estratégia capaz de sobreviver à era pós-Lula.
Portanto, o alerta de Mujica não é apenas uma constatação da falta de nomes de peso, mas um chamado à reflexão sobre a necessidade de reinventar o campo progressista. Lula, como símbolo e liderança, continuará sendo uma referência indispensável, mas o futuro da esquerda brasileira dependerá de sua capacidade de transformar sua dependência de um líder em um movimento plural e sustentável. Afinal, sem novas lideranças, a tragédia apontada por Mujica não será apenas política, mas também social e histórica para o Brasil e para toda a América Latina.
O avanço dos extremistas e os desafios da resistência coletiva
A vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas de novembro de 2024 consolidou um novo capítulo no avanço global dos líderes extremistas. Este fenômeno, alimentado por discursos polarizadores e pela instrumentalização de crises econômicas e sociais, tem encontrado terreno fértil também no Brasil. Além do crescimento de lideranças conservadoras, observa-se o fortalecimento de setores religiosos que, cada vez mais, exercem domínio sobre instituições fundamentais do país, moldando políticas públicas e restringindo liberdades individuais sob a justificativa de valores morais.
Ao mesmo tempo, uma crescente onda de violência policial tem atingido níveis alarmantes. Os casos de abuso e repressão nas periferias brasileiras, especialmente nos estados do Sudeste e na Bahia, refletem uma militarização das forças de segurança que opera em favor da manutenção de desigualdades estruturais. As populações pretas e periféricas, que historicamente carregam o peso do racismo estrutural, continuam a ser alvo principal dessa repressão. Os índices de mortes violentas, muitas vezes justificados como combate ao crime, escancaram a desumanização e o descaso com essas vidas.
Nesse contexto, a falta de união coletiva entre os povos pretos do Brasil se destaca como uma questão central.
Apesar da potência cultural e da resistência histórica de nossa população, os avanços estruturais enfrentam obstáculos significativos. A falta de recursos financeiros para grandes mobilizações e projetos de impacto impede que a luta antirracista alcance o potencial transformador necessário. Movimentos fragmentados e iniciativas isoladas têm dificuldade em enfrentar o peso das instituições e das narrativas impostas pelo poder dominante.
Contudo, uma ferramenta poderosa e ainda subutilizada na batalha pela comunicação e pela narrativa é a inteligência artificial. A IA tem o potencial de amplificar vozes silenciadas, construir redes de apoio e transformar a forma como as mensagens antirracistas e progressistas alcançam as massas. Enquanto a extrema direita utiliza com eficiência tecnologias para manipular a opinião pública e reforçar discursos de ódio, muitos movimentos progressistas ainda não exploraram completamente o poder dessa ferramenta. A construção de narrativas eficazes e a disputa pelo imaginário coletivo são urgentes, mas demandam aprendizado, organização e estratégias voltadas para o uso consciente e crítico da tecnologia.
Como lembrava Malcolm X, “o futuro pertence àqueles que se preparam hoje”.
A preparação, no entanto, não é apenas sobre resistência, mas sobre inovação, organização e união coletiva. Ele também afirmou que “o poder nunca concede nada sem demanda. Nunca cedeu, e nunca cederá.” Esse chamado à luta ressoa como um lembrete de que a resistência deve ser estratégica, conectada e intransigente na busca por justiça. É um momento de desafio, mas também de oportunidade para reescrever o futuro e enfrentar, com coragem e sabedoria, os extremismos que ameaçam a democracia e a dignidade humana.