Lula na COP30: chegou a hora de derrotar não só o negacionismo, mas a indiferença global.

É hora de impor uma nova derrota aos negacionistas, disse Luiz Inácio Lula da Silva no discurso de abertura da COP30, realizado em Belém, no Pará.  Com esta frase, o presidente do Brasil colocou o dedo na ferida de quem insiste em negar ou minimizar a crise climática – e fez da cúpula das Nações Unidas sobre o clima o palco simbólico para uma convocação ao combate não apenas aos gases de efeito estufa, mas também à desinformação, ao obscurantismo e à inércia institucional.

No cerne da fala de Lula está a convicção de que a mudança do clima já não é uma ameaça distante, mas uma tragédia do presente. Ele citou catástrofes recentes, como o tornado que matou seis pessoas no Paraná e o furacão que arrasou comunidades no Caribe, para ilustrar que “os estragos do aquecimento global estão aqui, agora”.  Ao mesmo tempo, reforçou que os desafios não são apenas ambientais, mas éticos e políticos: “Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo. Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo. É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas”. 

É digno de nota o ambiente simbólico da COP30: pela primeira vez a conferência ocorre na maior floresta tropical do planeta, a Amazônia — justamente um dos territórios cujo futuro está diretamente ligado às decisões globais sobre clima, desmatamento e biodiversidade.  A escolha de Belém, no Pará, não foi casual: Lula quis demonstrar que o Brasil assume protagonismo na agenda ambiental global, mas também que está disposto a enfrentar — de modo real e simbólico — os interesses que colocam lucro, mineração ou agropecuária predatória acima da vida do planeta.

Ao convocar “uma nova derrota aos negacionistas”, Lula está, de certa forma, empenhando o Brasil numa batalha duplamente estratégica: por um lado, contra aqueles que se recusam a reconhecer a ciência ou querem sabotar o multilateralismo climático; por outro, contra o tempo. Ele advertiu que, embora “estejamos indo na direção certa”, a velocidade está errada — no ritmo atual, o mundo caminha para um aumento superior a 1,5 °C da temperatura global — um limite considerado crítico pelas principais pesquisas. 

Esse recado opera em vários níveis. Primeiro: ideológico — ao posicionar o negacionismo climático como parte de um padrão mais amplo de ataque à ciência, às instituições e ao diálogo mundial. Segundo: político-estratégico — ao lembrar que a agenda climática não pode esperar, que o multilateralismo ainda importa e que a cooperação global deve assumir forma institucional, tecnológica e financeira. No seu discurso, Lula fez questão de mencionar que os países desenvolvidos devem cumprir compromissos com financiamento, transferência de tecnologia e capacitação dos países em desenvolvimento.  Terceiro: pragmático — investir na luta contra a emergência climática custa muito menos do que sustentar guerras ou uma escalada de destruição; citou números provocativos: “Se os homens que fazem guerra estivessem aqui nesta COP, eles iriam perceber que é muito mais barato colocar 1,3 trilhões de dólares para acabar com o problema climático do que colocar 2,7 trilhões para fazer guerra…”. 

Não é apenas retórica. Ao sediar a COP30 na Amazônia, o Brasil precisa enfrentar contradições — políticas ambientais internas, pressão sobre territórios de povos indígenas, desafios logísticos e econômicos que muitas vezes se chocam com discursos. E foi exatamente isso que o presidente reconheceu: “Seria mais fácil fazer a COP30 em uma cidade acabada, que não tivesse problemas. Mas aceitamos fazer a conferência num estado da Amazônia, para provar que, com disposição política, vontade e compromisso com a verdade, não há nada impossível para o homem”.  A mensagem é dupla: o Brasil se coloca como protagonista, mas também admite que o protagonismo exige responsabilidade — não apenas de discurso, mas de ação.

Para o educador, ativista ou comunicador que está assistindo esse movimento, a fala de Lula abre várias frentes de reflexão. A começar pela urgência de desmascarar o negacionismo climá-tico — aquela negação encapotada em “liberdade de expressão”, “dúvidas razoáveis” ou “problema exagerado” — que, no fundo, serve aos interesses de prática produtiva ou política que prioriza o lucro imediato em detrimento de vidas e futuros. Mas também abre a frente de intensificar o debate sobre justiça climática: quem arcará com os custos? Quem lucra com o desmatamento ou a extração de combustíveis fósseis? Quem sofre os impactos extremos e quem controla as decisões? E, claro, como conectar a ciência, a mídia, as redes sociais, os algoritmos — esses instrumentos que Lula invocou –, ao lado da emancipação real de comunidades vulneráveis.

Outro ponto que emerge claramente: a narrativa de que “a conferência é privada e faz o que quiser” — ou a de que “o clima é só para países ricos” — perde sentido quando vemos um presidente latino-americano assumindo protagonismo, estabelecendo o palco na Amazônia, e afirmando que a cooperação global é indispensável. O discurso de Lula convoca que a agenda não seja um luxo moralista de elites verdes, mas uma estratégia de sobrevivência coletiva — e que seja também uma luta de poder e de narrativa.

E aí entra o ingrediente crítico: a derrota dos negacionistas não é apenas simbólica. Ela significa que políticas concretas de transição energética, de desmatamento zero, de financiamento climático, de proteção aos biomas e aos povos tradicionais devem avançar. As declarações são importantes, mas se não vierem com ambição, transparência e mecanismos de implementação — os planos nacionais de corte de emissões, os chamados NDCs — correm o risco de virar liturgia. E é justamente isso que o discurso de Lula quis evitar: “caminhos para que a humanidade, de forma justa e planejada, supere a dependência dos combustíveis fósseis, pare e reverta o desmatamento e mobilize recursos para esses fins”. 

Para o Brasil, a COP30 também é momento de reafirmar que a Amazônia não é somente mercadoria ou cenário, mas fronteira geopolítica e ecológica. Que a soberania ambiental do país se entrelaça à responsabilidade global. Que os acenos simbólicos precisam encontrar concretude. E que o país pode, sim, reivindicar – e exercer – liderança, desde que evite projeções vazias ou promessas descumpridas. Nesse sentido, a convocação de derrota ao negacionismo pode funcionar como catalisador de alianças, pressão internacional e mobilização doméstica.

Em resumo: o discurso de abertura da COP30 marca um momento significativo. Ele reafirma que a crise climática não pode esperar, que o negacionismo é parte do problema e não apenas um nervo incômodo, e que o Brasil quer jogar papel relevante — mesmo que isso signifique confrontos, contradições e exigência de mais transparência. Para quem está do lado da ciência, da justiça ambiental, da defesa dos povos tradicionais ou da educa­ção para a mudança, o momento é agora. Está em curso uma batalha por narrativa, por políticas, por financiamento — e, sim, por derrotar os negacionistas.

Porque se a próxima década será decisiva para definir se o aquecimento global ficará em torno de 1,5 °C ou ultrapassará esse limiar, então a derrota do negacionismo deixa de ser mero discurso e assume contornos de urgência existencial. A vitória não será apenas medida em toneladas de CO₂ reduzidas ou hectares preservados, mas em quantas comunidades sobreviverão ao colapso que se avizinha — e em quantas serão deixadas para trás devido à incompetência, à negação ou à ganância. O recado de Lula é duro, direto — e em clima de COP, a hora de agir é agora.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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