Lauryn Hill desembarcou no Benin em 1º de agosto de 2025 para receber a cidadania honorária do país, justamente no dia em que se celebra a independência nacional. A visita da artista foi muito mais do que uma cerimônia protocolar: foi um gesto simbólico de reconexão com suas raízes ancestrais, mas também um manifesto vivo contra os apagamentos históricos que ainda marcam a diáspora africana no mundo. Ao pisar no solo beninense, Hill reverteu o sentido da travessia: se ontem corpos africanos foram arrancados e dispersos, hoje suas descendentes retornam com arte, consciência e dignidade.
Durante a estadia, Lauryn visitou monumentos emblemáticos da história do tráfico transatlântico de escravizados, como o “Portão do Não Retorno”, em Ouidah, e participou de rituais de acolhimento espiritual. Sua presença gerou comoção popular e foi amplamente celebrada nas ruas de Cotonou, com manifestações de afeto, orgulho e pertencimento coletivo. O governo beninense, em parceria com o Centro EYA e o projeto The Right Connect, tem promovido ações concretas de reconciliação com a diáspora, oferecendo cidadania para descendentes de africanos sequestrados durante a escravidão. Lauryn Hill é a segunda artista a receber essa honraria — antes dela, Ciara já havia sido agraciada. O gesto tem força de política pública, mas também de reparação simbólica.
O que essa visita representa vai além da trajetória de uma artista. Hill é um ícone da resistência afro-diaspórica. Desde os tempos de Fugees até seu aclamado álbum solo “The Miseducation of Lauryn Hill”, suas letras sempre dialogaram com espiritualidade africana, maternidade preta, crítica ao sistema e orgulho racial. Ao aceitar a cidadania beninense, ela não apenas afirma sua origem, mas também projeta para o mundo a possibilidade de retorno — físico, espiritual e político — ao continente-mãe. A África não é apenas o passado: ela é futuro em disputa. E é esse imaginário que Lauryn ajuda a construir ao se conectar com o Benin num momento tão simbólico quanto o Dia da Independência.
É preciso também entender o que está por trás dessa iniciativa do Benin. O país, que foi uma das regiões mais afetadas pelo tráfico de africanos escravizados — especialmente no antigo Reino do Daomé —, vem adotando uma postura ativa na reconstrução de sua memória histórica. A nova lei aprovada em 2024 permite que descendentes da diáspora solicitem cidadania com base em laços culturais, espirituais ou comprovação genética. É uma resposta ousada a séculos de colonialismo, apagamento e ruptura. Trata-se de um gesto político que afirma: “vocês foram levados, mas nunca deixaram de ser nossos.”
A escolha de Lauryn Hill como uma das homenageadas tem peso simbólico e estratégico. Diferente de ações meramente turísticas, sua visita foi marcada por profundidade espiritual, engajamento social e escuta ativa. Em vez de posar como celebridade, Hill se comportou como filha que retorna. Vestiu tecidos tradicionais, participou de rodas com lideranças locais e fez questão de destacar a importância do Benin para toda a diáspora. Ao se emocionar diante dos monumentos do período escravista, ela verbalizou uma dor que não é individual, mas coletiva e transgeracional.
Há também um reposicionamento geopolítico interessante acontecendo. Países africanos como Gana, Serra Leoa e agora Benin têm entendido que o futuro passa pela reconstrução dos vínculos com sua diáspora espalhada pelo mundo. Não se trata apenas de turismo ou reconhecimento simbólico, mas de uma nova diplomacia afrocentrada. Cada cidadania concedida é um gesto de reparação, mas também de poder. Ao reintegrar suas filhas e filhos ao corpo da nação, o continente envia um recado ao mundo: África não é o lugar do esquecimento — é o lugar do retorno.
A visita de Lauryn Hill ilumina algo que muitos ainda não compreenderam: a diáspora não é um corpo estranho à África. Pelo contrário, é sua extensão viva. Suas dores, lutas, arte, espiritualidade e resistência são ecos de um continente que foi violentado, mas não destruído. Hill, com sua música e sua consciência, simboliza exatamente isso. E ao receber a cidadania do Benin, ela transforma esse símbolo em gesto concreto, em conexão real, em reconciliação visível. É o passado sendo revisitado com dignidade e o futuro sendo redesenhado com ancestralidade.