Por séculos, a humanidade reverenciou três figuras misteriosas que representam a síntese do conhecimento sagrado e do poder espiritual: Imhotep, Hermes Trismegisto e Thoth. Muitas vezes apresentados como entidades separadas ou, pior, como frutos da cultura grega ou ocidental, esses três nomes são, na verdade, manifestações de uma mesma essência – a grandiosa sabedoria africana. Hermes Trismegisto, erroneamente tratado como um deus grego, nada mais é do que uma adaptação europeia do legado de Imhotep, o sábio africano que se tornou divindade e mestre do pensamento esotérico.
Mas essa verdade foi, por séculos, soterrada por narrativas coloniais que reescreveram a história, apagando a origem africana da sabedoria hermética. Como em tantas outras áreas do conhecimento, os europeus se apropriaram da espiritualidade e dos ensinamentos africanos, rebatizaram suas divindades e apagaram os rastros da fonte original. Neste artigo, vamos resgatar essa história, dar nomes corretos aos verdadeiros mestres e expor o roubo que tentou apagar a centralidade da África na formação do pensamento espiritual e filosófico do mundo.
Grandes Faraós e o Matriarcado Africano
O Egito Antigo foi lar de faraós notáveis, como Tutankhamon, Ramsés II e Hatshepsut, mas também de mulheres poderosas que governaram com sabedoria e força. O matriarcado africano é uma característica única das civilizações ao sul do Mediterrâneo. Rainhas-mães e mulheres como Nefertiti e Cleópatra VII (embora esta última tenha vivido sob dominação greco-romana) são exemplos de como as mulheres desempenharam papéis fundamentais tanto na política quanto na religião.
Hermes Trimegisto: O Três Vezes Grande
Com a dominação grega do Egito, os europeus não demoraram a absorver e renomear tudo aquilo que encontraram. Foi assim que Thoth se tornou Hermes Trismegisto (“três vezes grande Hermes”). Esse nome, supostamente de origem grega, passou a ser atribuído a um mestre que teria revelado os princípios da alquimia, da astrologia e da filosofia hermética.
Mas a verdade, conhecida pelos sábios da antiguidade e ocultada ao longo da história, é que Hermes Trismegisto não era uma entidade grega. Ele era a versão deturpada de Thoth e, por consequência, de Imhotep. O legado africano foi embranquecido, e sua origem apagada intencionalmente para alimentar a ideia de que a filosofia e a ciência eram criações da Europa.
Essa apropriação não foi acidental. Os gregos absorveram os ensinamentos egípcios, os transformaram e depois os venderam como seus. Platão, Pitágoras e muitos outros viajavam para o Egito para estudar nos templos, mas, ao retornarem à Grécia, pouco mencionavam suas verdadeiras fontes. A cultura ocidental, construída sobre esse plágio, fez questão de obscurecer o protagonismo africano no desenvolvimento do pensamento humano.
Thoth: O Guardião da Sabedoria
Thoth, por sua vez, era o deus egípcio da escrita, sabedoria e magia. Representado com a cabeça de íbis ou como um babuíno, Thoth foi visto como o escriba dos deuses e o patrono dos sábios. Ele era o responsável por registrar os feitos dos homens no Livro da Vida, garantindo que tudo fosse preservado para a eternidade.
Os egípcios o reverenciavam como um deus central nos mistérios religiosos e acreditavam que ele havia ensinado à humanidade os fundamentos da escrita hieroglífica, da astronomia e da aritmética. Ele era considerado um mediador cósmico, equilibrando as forças da ordem e do caos.
Imhotep: O Gênio Divinizado
Por fim, chegamos a Imhotep, que encarna todos os traços de grandeza, três em um: Hermes Trimegisto e Thoth. Imhotep foi vizir do faraó Djoser e o arquiteto responsável pela construção da Pirâmide de Degraus, a primeira grande estrutura de pedra da história, um marco que revolucionou a arquitetura.
Mas Imhotep não foi apenas arquiteto. Ele era um médico brilhante, cujos tratados sobre medicina estavam séculos à frente de seu tempo. Hipócrates, frequentemente chamado de pai da medicina, reconhecia Imhotep como o verdadeiro pioneiro dessa ciência. Registros mostram que ele realizou cirurgias cranianas e desenvolveu protocolos médicos que seriam base para civilizações futuras.
Imhotep não foi apenas um sacerdote ou um místico, ele foi a primeira mente multidisciplinar documentada da história humana. Viveu no Egito por volta de 2600 a.C. e transformou a civilização para sempre.
✔ Primeiro arquiteto da história – Foi o idealizador das pirâmides, começando pela pirâmide de degraus de Djoser, a primeira estrutura monumental construída inteiramente em pedra.
✔ Pai da medicina – Séculos antes de Hipócrates, Imhotep já catalogava doenças, cirurgias e tratamentos. Seu conhecimento médico era tão avançado que os gregos posteriormente o declararam “o deus da medicina”, fundindo sua identidade com a do seu próprio deus, Asclépio.
✔ Primeiro matemático registrado – Os cálculos geométricos que tornaram possível a construção das pirâmides partiram dele. O domínio da matemática e das proporções sagradas vem diretamente de sua mente.
✔ O primeiro alquimista – A base do que hoje conhecemos como alquimia começou com Imhotep. Ele compreendeu e organizou os princípios universais que governam a matéria e o espírito.
✔ Criador das 7 Leis Universais – Imhotep organizou os princípios cósmicos que mais tarde foram transformados no que chamamos de O Caibalion, os fundamentos da filosofia hermética.
✔ Escritor das 42 Leis de Maat – Imhotep escreveu os princípios da justiça, equilíbrio e moralidade que guiavam a sociedade egípcia. Essas leis influenciaram profundamente diversas culturas e foram, em parte, plagiadas por religiões posteriores.
Diante desse legado imensurável, Imhotep transcendeu sua existência terrena e foi elevado ao status de divindade. Seu nome sobreviveu nos templos egípcios e, durante milênios, foi reverenciado como um mestre absoluto da sabedoria. Mas, como sempre acontece com tudo o que nasce na África, seu nome foi reescrito e, mais tarde, apagado.
Após sua morte, Imhotep foi deificado, algo extremamente raro para um mortal. Ele passou a ser cultuado como um deus da sabedoria e da cura, com templos dedicados a ele. Para os egípcios, Imhotep era a personificação viva de Thoth. Sua influência foi tão poderosa que transcendeu séculos, permanecendo viva nas tradições herméticas e nos estudos de alquimia.
A história de Imhotep, Hermes Trimegisto e Thoth não é apenas uma celebração de três figuras históricas, mas um testemunho da riqueza intelectual e espiritual do Egito Antigo. Eles simbolizam o apogeu de uma civilização africana que deu ao mundo pilares fundamentais do conhecimento. Compreender suas histórias é reverter séculos de epistemicídio e honrar a verdadeira origem de uma sabedoria que transcende eras.
Referências
•Cheikh Anta Diop: The African Origin of Civilization: Myth or Reality
•Molefi Kete Asante: The Egyptian Philosophers: Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten
•George G.M. James: Stolen Legacy
•John Henrik Clarke: African World Revolution: Africans at the Crossroads