Imhotep, Hermes Trimegisto e Thoth – Três Grandes em Um

Ao longo da história, o legado africano, em especial o do Egito antigo, foi alvo de um processo contínuo de epistemicídio — a tentativa sistemática de apagar ou distorcer o conhecimento originado nas terras de Kemet (nome original do Egito). Um dos pilares dessa estratégia foi a negação da africanidade dos egípcios, apresentando-os como um povo branco ou sem conexão com o resto do continente africano. Essa narrativa buscava desviar a origem de algumas das contribuições mais importantes para a civilização, da matemática à medicina, da arquitetura à filosofia.

Esse apagamento se intensificou durante o período clássico, quando os europeus, em busca de sabedoria, foram ao Egito estudar nas grandes escolas de mistérios e templos. Lá, gregos como Platão, Pitágoras e Heródoto absorveram os conhecimentos ancestrais africanos. Ao retornarem, escreveram tudo em grego e assumiram a autoria, relegando os verdadeiros criadores ao esquecimento. Assim, o Egito, que era uma potência africana, foi reinterpretado como uma extensão da cultura europeia.

Grandes Faraós e o Matriarcado Africano

O Egito Antigo foi lar de faraós notáveis, como Tutankhamon, Ramsés II e Hatshepsut, mas também de mulheres poderosas que governaram com sabedoria e força. O matriarcado africano é uma característica única das civilizações ao sul do Mediterrâneo. Rainhas-mães e mulheres como Nefertiti e Cleópatra VII (embora esta última tenha vivido sob dominação greco-romana) são exemplos de como as mulheres desempenharam papéis fundamentais tanto na política quanto na religião.

Hermes Trimegisto: O Três Vezes Grande

Na figura de Hermes Trimegisto, vemos a fusão de culturas e conhecimentos. Hermes Trimegisto foi descrito como uma união do deus grego Hermes e do deus egípcio Thoth. Conhecido como o “Três Vezes Grande” devido à sua supremacia em três áreas do conhecimento — filosofia, medicina e misticismo — Hermes Trimegisto é reverenciado nos textos herméticos, uma coletânea de escritos que influenciaram profundamente a alquimia e a espiritualidade ocidental.

Os textos herméticos falam da unidade do universo, da divindade imanente em todas as coisas e dos mistérios que conectam o céu e a terra. Não por acaso, Hermes Trimegisto é visto como o guardião de segredos que transcendem o tempo.

Thoth: O Guardião da Sabedoria

Thoth, por sua vez, era o deus egípcio da escrita, sabedoria e magia. Representado com a cabeça de íbis ou como um babuíno, Thoth foi visto como o escriba dos deuses e o patrono dos sábios. Ele era o responsável por registrar os feitos dos homens no Livro da Vida, garantindo que tudo fosse preservado para a eternidade.

Os egípcios o reverenciavam como um deus central nos mistérios religiosos e acreditavam que ele havia ensinado à humanidade os fundamentos da escrita hieroglífica, da astronomia e da aritmética. Ele era considerado um mediador cósmico, equilibrando as forças da ordem e do caos.

Imhotep: O Gênio Divinizado

Por fim, chegamos a Imhotep, que encarna todos os traços de grandeza associados a Hermes Trimegisto e Thoth. Imhotep foi vizir do faraó Djoser e o arquiteto responsável pela construção da Pirâmide de Degraus, a primeira grande estrutura de pedra da história, um marco que revolucionou a arquitetura.

Mas Imhotep não foi apenas arquiteto. Ele era um médico brilhante, cujos tratados sobre medicina estavam séculos à frente de seu tempo. Hipócrates, frequentemente chamado de pai da medicina, reconhecia Imhotep como o verdadeiro pioneiro dessa ciência. Registros mostram que ele realizou cirurgias cranianas e desenvolveu protocolos médicos que seriam base para civilizações futuras.

Após sua morte, Imhotep foi deificado, algo extremamente raro para um mortal. Ele passou a ser cultuado como um deus da sabedoria e da cura, com templos dedicados a ele. Para os egípcios, Imhotep era a personificação viva de Thoth. Sua influência foi tão poderosa que transcendeu séculos, permanecendo viva nas tradições herméticas e nos estudos de alquimia.

A história de Imhotep, Hermes Trimegisto e Thoth não é apenas uma celebração de três figuras históricas, mas um testemunho da riqueza intelectual e espiritual do Egito Antigo. Eles simbolizam o apogeu de uma civilização africana que deu ao mundo pilares fundamentais do conhecimento. Compreender suas histórias é reverter séculos de epistemicídio e honrar a verdadeira origem de uma sabedoria que transcende eras.

Referências

•Cheikh Anta Diop: The African Origin of Civilization: Myth or Reality

•Molefi Kete Asante: The Egyptian Philosophers: Ancient African Voices from Imhotep to Akhenaten

•George G.M. James: Stolen Legacy

•John Henrik Clarke: African World Revolution: Africans at the Crossroads

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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