Histórico: Bélgica é condenada pela primeira vez por sequestro de crianças na era colonial

Antes de qualquer coisa, é preciso deixar claro que esta condenação não é nada diante dos horrores praticados pelas forças europeias, neste caso específico, a Bélgica. Também é necessário mencionar que o governo brasileiro recentemente pediu perdão oficial aos povos africanos pelo tratamento cruel e desumano que sofreram durante a escravidão. Mas sejamos diretos: perdão não basta. O povo preto quer reparação. Reparação em dinheiro, em terras, e em medidas concretas que devolvam a dignidade e as oportunidades roubadas por séculos de exploração e opressão.

O tribunal belga ordenou que o Estado indenize as vítimas pelos danos morais causados pela perda do vínculo com a mãe e pelo rompimento de sua identidade e conexão com seu ambiente original. Essa decisão, embora histórica, chega décadas atrasada. A separação forçada de crianças de africanos com pessoas brancas não foi apenas um ato isolado, mas parte de uma política de Estado racista e desumana que visava apagar qualquer vestígio da cultura e da ancestralidade africanas dessas crianças. Foi um crime sistemático, e classificá-lo como tal hoje é o mínimo que se pode fazer.

Ainda mais tardio foi o reconhecimento da Igreja Católica, que só em 2017 pediu desculpas por sua participação no escândalo. E o governo belga, em 2019, dois anos depois, afirmou que admitir o que aconteceu era “um passo em direção à conscientização e ao reconhecimento dessa parte de nossa história nacional”. Mas será que isso é suficiente? Pedir desculpas ou reconhecer os erros do passado não é, por si só, uma reparação. Fica claro que essas ações são mais voltadas para preservar a imagem institucional da Bélgica e da Igreja do que para realmente enfrentar as consequências dos crimes cometidos.

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É importante lembrar que o sofrimento dessas crianças, hoje senhoras, não pode ser reparado apenas com palavras ou indenizações financeiras simbólicas. Elas perderam laços familiares, identidades culturais e qualquer possibilidade de uma infância normal. Os danos psicológicos, sociais e emocionais que carregaram ao longo de suas vidas não têm preço. Ainda assim, a reparação financeira é um passo necessário, pois reconhece, ainda que de forma limitada, que houve um crime e que há uma dívida.

O que chama a atenção é a lentidão com que essas instituições admitem suas responsabilidades históricas. É como se precisassem ser pressionadas pelas vítimas e pela opinião pública para finalmente agir. E mesmo quando agem, os gestos são tímidos, insuficientes e quase sempre desvinculados de uma verdadeira transformação estrutural.

A Bélgica, assim como outras potências coloniais, deve ir muito além de desculpas e indenizações pontuais. Reparação não é caridade, é uma obrigação moral e histórica. E a reparação precisa incluir a devolução de terras, o investimento em educação e infraestrutura nos países que foram colonizados, e o combate às desigualdades que ainda hoje são reflexos diretos do colonialismo.

Assim como no caso brasileiro, em que o governo pediu perdão oficial, é fundamental que as palavras sejam acompanhadas de ações reais. Pedir desculpas sem mudar as estruturas de poder que perpetuam o racismo e a desigualdade é apenas retórica vazia. O povo preto quer justiça concreta, porque sabe que o passado colonial continua vivo nos sistemas econômicos e políticos que governam o mundo hoje.

E por isso, seguimos repetindo: jamais perdoar, jamais esquecer. A memória dos nossos ancestrais e o respeito às vidas que foram destruídas exigem mais do que simbolismo. Exigem transformação. Reparação não é favor, é dívida. Uma dívida que o mundo ainda precisa pagar.

Fonte:O GLOBO.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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