Na manhã de 10 de setembro de 2025, o Supremo Tribunal Federal viveu um daqueles momentos que entram para a história. Enquanto a Corte analisava o julgamento de Jair Bolsonaro e seus aliados, acusado de comandar uma engrenagem golpista, o ministro Luiz Fux abriu uma divergência que deixou colegas surpresos. Não era apenas uma diferença de interpretação jurídica. Era uma escolha que levanta suspeitas e coloca uma pergunta desconfortável no ar: Fux estaria se aproximando da extrema-direita?
A trajetória marcada pela Lava Jato
O nome de Luiz Fux sempre esteve associado a decisões de peso em momentos de virada no Judiciário brasileiro. Durante os anos da Lava Jato, ainda que não fosse protagonista da operação, ele se alinhou com a lógica de endurecimento. Votou de forma a sustentar pilares que garantiam a sobrevivência do processo, mesmo quando surgiam críticas ao abuso de poder e ao atropelo de garantias fundamentais. Fux projetou uma imagem de juiz conservador na forma, rígido na técnica e aparentemente impermeável a pressões externas.
Naquele período, sua postura parecia voltada a reforçar a legitimidade institucional da operação, um movimento que surfava na onda de clamor popular contra a corrupção. Era o jurista guardião da ordem legal, ainda que, no subtexto, sua atuação contribuísse para fortalecer uma narrativa política que abriu espaço para a ascensão de Jair Bolsonaro.
O julgamento de Bolsonaro: perplexidade no plenário
Avançando para o presente, o cenário é outro, mas a lógica do voto de Fux mantém um fio de continuidade. No julgamento que coloca Bolsonaro diante de acusações gravíssimas — tentativa de golpe de Estado, atentado contra a Constituição e articulação de uma organização criminosa —, Fux preferiu o caminho das tecnicalidades.
Sua divergência se concentrou em dois pontos: primeiro, declarou que o STF não teria competência para julgar Bolsonaro, já que ele não ocupa mais a Presidência. Segundo, recusou o enquadramento do caso como organização criminosa armada, alegando ausência de elementos técnicos.
Essa leitura, fria e cirúrgica, soou desconectada da gravidade do que se avalia. Para Fux, sem a “arma de fogo” literal, sem a estrutura típica prevista em lei, não haveria como aplicar o tipo penal. A letra da lei, assim, se tornou a trincheira para se afastar do reconhecimento daquilo que outros ministros consideraram óbvio: a existência de uma rede política e militar organizada para subverter a democracia.
O contraste com Alexandre de Moraes
O contraste não poderia ser mais evidente. Enquanto Alexandre de Moraes e outros ministros enfatizaram o caráter sistêmico da trama bolsonarista, denunciando os ataques ao Estado de Direito e reconhecendo os réus como parte de uma engrenagem criminosa, Fux preferiu minimizar. Sua intervenção deu a impressão de que o ex-presidente e seus aliados não passariam de aventureiros desorganizados, indignos de enquadramento mais severo.
Não é que Fux tenha exaltado Bolsonaro ou feito discursos alinhados à extrema-direita. O desconforto nasce justamente da recusa em reconhecer a natureza política e criminosa do bolsonarismo, reduzindo-o a uma questão mal tipificada. Em outras palavras: diante de um crime contra a democracia, o ministro optou por enxergar apenas falhas processuais.
Forma contra substância
Esse é o dilema que faz a pergunta do título ganhar peso. Seria Fux um aliado objetivo da extrema-direita, mesmo que não o queira ser? A história ensina que, em tempos de ruptura, a neutralidade processual pode se tornar um escudo para os que desejam a impunidade.
Fux se apresenta como defensor da técnica e da formalidade jurídica. Mas ao se apegar a elas em um momento em que a democracia está em jogo, ele acaba fortalecendo, ainda que indiretamente, aqueles que buscam destruir o próprio sistema que o sustenta. É o paradoxo de um jurista que, ao se dizer fiel às formas, acaba entregando substância a um projeto autoritário.
O risco de normalizar o anormal
A perplexidade dos ministros nesta manhã não é gratuita. O que estava em julgamento não era apenas a conduta de Bolsonaro, mas o limite da paciência institucional diante de um projeto que tentou, sem disfarces, corroer a democracia. Ao negar a gravidade da organização, Fux transmite a sensação de que o ataque não foi tão grave assim, que se pode discutir a questão em outra instância, em outro tempo, com outro rigor.
Mas o tempo democrático não oferece luxo para postergações. Cada hesitação é aproveitada pelos que sonham com a volta do autoritarismo. E, nesse sentido, a divergência de Fux acaba funcionando como um recado: os mecanismos da lei podem ser usados não apenas para punir, mas também para blindar.
No fim das contas, a questão permanece aberta: Fux é um aliado da extrema-direita? Talvez não por convicção, mas por consequência. Seu voto revela mais do que uma visão jurídica conservadora: mostra o quanto o STF, mesmo em seus momentos de enfrentamento mais duros, ainda abriga vozes dispostas a relativizar o inimigo.
O episódio desta manhã ficará registrado como um lembrete incômodo. Em tempos de crise democrática, os que se dizem neutros frequentemente acabam escolhendo um lado. E, nesse julgamento, ao negar a gravidade da trama bolsonarista, Fux deixou claro de que lado sua neutralidade pesa.