Ela governou com inteligência e encantou até o rei Salomão

Ela governou com inteligência e encantou até o rei Salomão

No artigo anterior, eu falei sobre a poderosa Rainha Amanirenas — a guerreira que arrancou a cabeça da estátua de Augusto, enfrentou o Império Romano e liderou o povo de Kush com coragem inabalável. Hoje, a viagem segue por outra trilha real da ancestralidade africana: uma mulher que não precisou de espadas para conquistar seu lugar na eternidade. Uma soberana que atravessou os tempos com sabedoria, estratégia e encantamento. Uma rainha que marcou presença até nas escrituras dos que tentaram apagar a grandeza africana. Sim, estou falando da majestade conhecida como Rainha de Sabá, cujo verdadeiro nome é Makeda.

Poucas figuras históricas concentram tanta beleza simbólica e força política como ela. Makeda aparece em registros bíblicos, textos etíopes, manuscritos árabes e tradições orais que sobreviveram ao fogo da colonização. Mas ela não é apenas um personagem místico. É parte da linhagem real que moldou o imaginário da Etiópia e de todo o Chifre da África. O reino de Sabá era poderoso, comerciante de especiarias, ouro e sabedoria. Localizado entre o que hoje chamamos de Etiópia e Iêmen, era um centro de riqueza, espiritualidade e ciência. E no comando, uma mulher africana que deixou reis perplexos.

Makeda governava com inteligência, diplomacia e visão estratégica. Quando ouviu falar da fama de um tal rei Salomão, homem sábio de Jerusalém, ela não se intimidou — foi conhecê-lo. E não como súdita, mas como igual. A tradição etíope conta que ela viajou por desertos e montanhas com sua caravana carregada de presentes, não para agradar um homem, mas para testar a verdade do que diziam sobre ele. O encontro entre os dois não foi um conto romântico, como alguns quiseram narrar. Foi um duelo de mentes, um encontro de tronos, uma troca de saberes entre dois mundos.

Makeda não encantou Salomão por sua aparência apenas — encantou pela profundidade de suas perguntas, pela firmeza de sua presença, pela elegância com que falava de política, espiritualidade e existência. Dizem que ela voltou grávida e deu à luz Menelik I, o primeiro imperador da Etiópia, iniciando uma dinastia que se dizia descendente direta de Salomão e de si mesma. Mas mesmo essa história precisa ser interpretada com o filtro da soberania africana: não foi Makeda que se tornou parte da história de Salomão — foi Salomão que teve a honra de ser incluído na história dela.

A importância de Makeda vai muito além da Bíblia ou das lendas. Ela representa uma África pré-colonial consciente de sua grandeza, onde mulheres não eram coadjuvantes. Antes da domesticação cristã imposta pelo Ocidente, a estrutura africana era profundamente matriarcal. O feminino era honrado como força criadora, fonte de sabedoria e centro de decisão. Rainhas não eram exceções — eram pilares. E Makeda, como tantas outras, reinava com plenitude: comandava rotas comerciais, mediava conflitos, liderava rituais e organizava seu povo com um senso de pertencimento e propósito que hoje falta até aos Estados modernos.

Makeda é também a ruptura com a ideia ocidentalizada de que inteligência e sensibilidade são traços opostos. Ela provou que um trono pode ser governado com poesia e estratégia, com intuição e cálculo. E que uma mulher não precisa se masculinizar para governar — basta lembrar quem ela é. A imagem dela sobreviveu não por força das armas, mas da memória do povo. Porque onde a colonização tentou impor esquecimento, a tradição oral sustentou o brilho.

Essa história não é só bonita — é necessária. Saber quem foi Makeda não é apenas resgatar uma personagem: é recolocar a África no centro da civilização. É lembrar que o continente africano não começa com o navio negreiro, mas com impérios milenares, cidades douradas, universidades ancestrais e rainhas diplomatas. É corrigir a distorção histórica que tenta pintar o povo africano como descendente apenas da dor. Somos descendentes de sabedoria, de ciência, de elegância, de espiritualidade elevada. E Makeda é a personificação disso.

Quantas crianças da diáspora africana crescem sem saber que existiu uma mulher africana que questionava reis e dirigia caravanas reais pelos desertos com altivez? Quantas jovens pretas se acham pequenas num mundo que nunca lhes mostrou que vieram de rainhas? Makeda não pode continuar presa nas entrelinhas das religiões ou dos mitos exotificados. Ela precisa estar nas telas, nos livros escolares, nas paredes das escolas, nas mentes de quem precisa reaprender a própria origem.

Makeda não foi um detalhe. Ela foi um farol. Um lembrete de que a sabedoria africana não apenas existia — ela governava. E governava com dignidade, com beleza, com firmeza. Salomão a admirou, sim. Mas o mais importante: seu povo a seguiu. E ainda segue, em cada memória resgatada, em cada palavra recontada, em cada pessoa preta que escolhe reinar sobre sua própria narrativa.

Ela não foi domada. Não foi colonizada. Não foi esquecida. E agora, precisa ser lembrada como merece: não como um adorno bíblico, mas como uma arquiteta da história africana.

Se quiser, posso criar também uma imagem realista de Makeda nesse novo contexto, ou transformar o texto em roteiro de documentário ou narração para vídeo. Só dar o comando, Rei.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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