Daqui a 200 anos, quem se lembrará de você?

Daqui a 200 anos, nenhum de nós que lê esta publicação hoje estará vivo. Não importa quem você seja, o que tenha conquistado, o quanto ame ou seja amado — o tempo levará todos nós. E, quando isso acontecer, entre 70% e 100% de tudo pelo que estamos lutando agora será totalmente esquecido. Sublinho: totalmente.

Voltemos agora no tempo 200 anos. Chegaríamos a 1825. A escravidão ainda era legalizada em praticamente todo o território brasileiro, e o tráfico de africanos para o país estava no auge. No mundo, impérios coloniais disputavam territórios e riquezas; as guerras de independência na América Latina ainda ecoavam; a Revolução Industrial começava a transformar radicalmente o trabalho e a vida nas cidades. Em 1825, o Brasil ainda era um império, governado por D. Pedro I, e em muitas províncias a vida girava em torno de engenhos de açúcar, plantações de café e minas exploradas à custa do trabalho escravizado.

Naquele ano, milhares de homens e mulheres negros eram vendidos como mercadoria. Povos indígenas eram expulsos de suas terras. No restante do mundo, debates políticos e filosóficos ferviam: a luta entre monarquias e repúblicas, o avanço da ciência sobre antigas crenças, as discussões sobre direitos humanos ainda muito restritas a poucos. Havia conflitos sangrentos por posse de terras, por sucessões políticas, por questões religiosas.

Agora, pare e pense: quantos nomes dessa época vêm à sua mente? Poucos, talvez meia dúzia. E a esmagadora maioria das pessoas que viveram então, carregando seus dramas, suas dores e suas ambições, desapareceu completamente da memória coletiva.

Talvez pareça óbvio, mas precisamos internalizar: o tempo apaga quase tudo. Muitos, em 1825, sacrificaram a própria humanidade por algo que hoje não tem o menor valor. Alguns traíram parentes e venderam seus próprios irmãos e irmãs para a escravidão em troca de espelhos, tecidos baratos, armas de fogo rudimentares ou algumas moedas. Outros mataram por terra, sal, cabeças de gado, tabaco. Onde estão esses bens hoje? Viraram pó. Foram consumidos, enferrujaram, apodreceram ou simplesmente perderam qualquer utilidade.

É fácil olhar para trás e achar ridículo, mas o que fazemos hoje, em essência, não é muito diferente. Continuamos trocando tempo e vida por bens que, daqui a algumas décadas, não terão qualquer relevância. Continuamos colocando o ego, o poder e a vaidade acima daquilo que realmente importa.

Alguns acreditam que a era digital e a internet nos salvarão do esquecimento. Mas essa é outra ilusão. Tomemos como exemplo Michael Jackson. O “Rei do Pop” morreu em 2009, há pouco mais de uma década. Foi um dos artistas mais famosos da história moderna, um ícone global. E, mesmo assim, muitos jovens de hoje já não têm a dimensão do impacto que ele causou. Daqui a 200 anos, sua música, sua imagem, talvez sobreviva em algum arquivo, mas o vínculo emocional que milhões sentiram por ele terá desaparecido. A memória fria e distante não é a mesma coisa que a presença viva.

O mesmo vale para líderes políticos, empresários, atletas, intelectuais e celebridades do nosso tempo. A máquina do esquecimento não para. E isso não deve ser motivo de tristeza, mas de lucidez.

O que essa lucidez nos ensina? Que é preciso viver com calma e consciência. A terra pela qual alguns estão dispostos a matar não é mais do que uma morada temporária. O corpo pelo qual tanto zelamos vai envelhecer, adoecer e, um dia, voltar ao pó. Nenhum carro, joia, mansão ou título acadêmico atravessará o limite da morte.

E não, isso não significa viver de forma negligente ou sem ambições. Significa colocar as ambições em perspectiva. Significa entender que a vida não é uma corrida para acumular coisas, mas uma oportunidade única de cultivar experiências, vínculos e aprendizados.

Quando olhamos para trás, vemos que muitos em 1825 não tinham essa percepção — ou, se tinham, eram exceção. Viviam em um mundo ainda mais brutal, em que a vida de muitos não tinha qualquer valor legal ou moral. Hoje, temos mais conhecimento, mais recursos, mais consciência histórica. Mas, paradoxalmente, também temos mais distrações. Vivemos em um ritmo imposto por um sistema econômico que nos treina para sermos consumidores antes de sermos humanos. Corremos de um compromisso para outro, atolados em dívidas, tentando acompanhar padrões irreais e expectativas que não são nossas.

A pressa é a doença do nosso tempo. O filósofo Henry David Thoreau, no século XIX, já dizia: “A maioria dos homens vive uma vida de silencioso desespero.” E o pior é que, mesmo conhecendo exemplos históricos, repetimos o ciclo. Porque esquecemos rápido. Porque achamos que desta vez será diferente — e não é.

É aqui que entra a verdadeira revolução: escolher o amor como guia. Não o amor romântico, limitado e cheio de condicionantes, mas o amor como prática diária de empatia, compaixão e presença. É celebrar as vitórias dos outros como se fossem nossas. É não permitir que ciúmes, comparações ou ressentimentos ditem nossas ações. É entender que, no fim, a vida não é uma competição — todos chegaremos ao mesmo destino, em momentos diferentes.

Se sabemos que o fim é inevitável, a pergunta que resta é: o que vou deixar para trás que realmente importe? E aqui não estamos falando de herança material, mas de legado humano. O que vai permanecer não são suas roupas, suas postagens ou seu carro, mas a forma como você tocou a vida de outras pessoas. A gentileza que ofereceu, as oportunidades que criou, as palavras que inspiraram.

Há um provérbio africano que diz: “As pessoas morrem duas vezes: a primeira quando deixam de respirar, a segunda quando seus nomes são pronunciados pela última vez.” E mesmo essa segunda morte é inevitável para a maioria de nós. O que podemos fazer é prolongar, o máximo possível, a nossa presença através das marcas que deixamos na memória de quem nos conheceu.

O apego excessivo a este mundo é uma armadilha. Ele nos faz acreditar que somos donos de algo que, na verdade, apenas nos foi emprestado por um breve momento. Esse breve momento — a nossa vida — é tudo o que temos. E a única forma de honrá-lo é vivê-lo com plenitude, consciência e propósito.

Daqui a 200 anos, o mundo será outro. Novas tecnologias terão transformado a forma como vivemos, conflitos terão surgido e desaparecido, civilizações terão se reconfigurado. Pouco restará de nós, exceto as histórias que alguém, por alguma razão, achar que vale a pena contar. E isso não é triste. É libertador. Porque nos lembra que podemos viver de forma mais leve, mais presente e mais fiel ao que realmente importa.

Não importa o nome que você construa, a fama que alcance ou a riqueza que acumule — nada disso atravessará o tempo. O que atravessa são as sementes que plantamos nas pessoas e nas comunidades. E cada dia é uma chance de plantar mais e melhor.

No fim, todos iremos para o mesmo lugar. A questão não é quando, mas como escolhemos viver até lá.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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