Confronto IOF: Legislativo vs Executivo vs STF. Entenda.

O Brasil vive hoje mais um capítulo do seu drama institucional: o confronto aberto entre o Congresso Nacional, o Executivo e o Supremo Tribunal Federal. Desta vez, o campo de batalha é o IOF — Imposto sobre Operações Financeiras — cuja elevação, proposta pelo governo Lula em junho, foi fulminantemente derrubada pela Câmara e pelo Senado. A reação do Palácio do Planalto foi imediata: recorrer ao STF para garantir a validade do decreto presidencial. E assim, um simples tributo se transforma em peça central de um jogo político perigoso, revelando a anatomia crua do poder no Brasil contemporâneo.

Mas por trás desse embate técnico, há uma guerra ideológica: de um lado, o governo tentando recompor receitas e manter políticas sociais num cenário econômico difícil; do outro, um Congresso comandado por lideranças cada vez mais simpáticas à pauta ultraliberal, protegendo o bolso dos bilionários em detrimento do resto do país — e consolidando o cerco ao Executivo. No meio desse cabo de guerra, o STF surge como árbitro, mas também com suas próprias feridas e desgastes, tornando o tabuleiro ainda mais instável.

O que aconteceu com o IOF?

No final de junho, o governo Lula editou um decreto que aumentava alíquotas do IOF em determinadas operações financeiras. O objetivo declarado: ampliar a arrecadação para cobrir déficits e continuar bancando programas sociais e obras de infraestrutura num momento em que a dívida pública pressiona. Não é segredo que o Brasil tem um orçamento estrangulado, herança direta das isenções e benefícios fiscais aos super-ricos, além das desonerações bilionárias mantidas por décadas.

Mas em tempo recorde, o Congresso reagiu. Sob o comando do presidente da Câmara, Hugo Motta — um nome que vem se destacando por sua clara sintonia com a agenda da extrema-direita econômica — deputados e senadores derrubaram o decreto. O discurso? Defender o “cidadão comum” de mais impostos. A realidade? Blindar bancos, fundos e grandes investidores que movimentam cifras astronômicas e que são os reais impactados pelo IOF.

Não satisfeitos, parlamentares alinharam o discurso dizendo que o Executivo não poderia legislar por decreto sobre aumento tributário — ainda que a Constituição permita certas competências ao Executivo no caso do IOF, por ser um imposto regulatório. O governo então decidiu bater às portas do Supremo Tribunal Federal para tentar restaurar o decreto. A AGU (Advocacia-Geral da União) ingressou com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade, buscando afirmar o poder legal do Executivo em matéria tributária nesse tipo específico de imposto.

O papel do STF e o risco institucional

Agora, o STF terá de se posicionar. Se confirmar a constitucionalidade do decreto presidencial, o Supremo restabelece o aumento do IOF, desagradando o Congresso e potencializando a narrativa do Legislativo de que o Judiciário interfere em suas prerrogativas. Se julgar contra, abre-se um precedente perigoso: o Executivo perde espaço até em tributos historicamente sob sua regulação, comprometendo instrumentos que governos usam em políticas monetárias.

Mais grave é o risco de se consolidar a percepção de um Supremo tutelando o Executivo — ou de um Congresso fazendo política fiscal ao bel prazer de interesses empresariais, sem considerar a realidade orçamentária e social do país. O Brasil fica então prisioneiro de um Congresso fisiológico, cada vez mais capturado por bancadas corporativas e lobby do capital financeiro.

Hugo Motta: o Congresso nas mãos da extrema-direita econômica

É impossível analisar esse cenário sem observar o papel de Hugo Motta, que se tornou a principal figura na articulação da pauta econômica ultraliberal no Legislativo. Mesmo sob a bandeira de “proteger o povo de mais impostos”, sua liderança se mostrou disposta a sabotar qualquer tentativa do governo federal de recompor as finanças do Estado. Enquanto isso, a mesma Câmara que barrou o IOF aprovou emendas secretas, ampliou o fundo eleitoral e manteve isenções fiscais bilionárias que só beneficiam grandes conglomerados — sem uma gota de constrangimento.

Ou seja, grita contra o IOF dizendo que defende o povo, mas fecha acordos que custam dezenas de bilhões ao erário, sempre protegendo os bilionários. O resultado é a transferência do peso fiscal para onde sempre esteve: nas costas do trabalhador assalariado, do pequeno empresário e do consumidor comum, que já paga uma das cargas tributárias mais regressivas do planeta.

Hugo Motta não representa apenas um político ambicioso. Ele simboliza um Congresso que perdeu qualquer pudor em legislar diretamente para o topo da pirâmide, consolidando a desigualdade como projeto de país. O medo do Executivo de enfrentar esse Congresso revela o quanto a democracia brasileira ainda é refém de oligarquias.

O povo aprisionado num ciclo perverso

No fim das contas, o grande derrotado desse embate é o povo brasileiro. Enquanto deputados e senadores posam para fotos dizendo que “barraram o aumento do IOF para proteger a população”, na prática eles preservam os ganhos dos rentistas — aqueles mesmos que lucram com títulos da dívida pública e não geram um emprego sequer.

A ironia trágica é que o IOF incide de modo mais pesado em operações especulativas, em investimentos relâmpago que drenam recursos produtivos. Um imposto que poderia frear a ciranda financeira e até trazer algum alívio à economia real. Mas o Congresso preferiu jogar para a plateia e, de quebra, fez um afago ao setor financeiro que mais engorda com a miséria do país.

A narrativa montada é eficaz: ninguém quer pagar imposto. Só que o resultado é sempre o mesmo — menos recursos para saúde, educação, infraestrutura, habitação popular. Mais privilégios fiscais para grandes empresas, bancos e fundos. E quando o governo tenta restabelecer algum tipo de equilíbrio, é imediatamente tachado de “gastador irresponsável”.

Um Brasil refém de elites ranzinzas

Esse episódio do IOF expõe o DNA de um país mantido sob cabresto. A elite política e econômica brasileira é notoriamente ranzinza, azeda e insaciável: não abre mão de seus privilégios nem que isso signifique condenar milhões à fome ou ao desemprego estrutural. O Congresso, liderado por figuras como Hugo Motta, é apenas a extensão legislativa desses interesses.

A esquerda, por sua vez, precisa acordar para o fato de que não adianta governar com acenos tímidos ao mercado esperando boa vontade em troca. Não virá. Enquanto isso, o Supremo fica como última trincheira para resolver o que deveria ser acordado por maturidade republicana entre Executivo e Legislativo — mas que se perde no pântano do patrimonialismo.

No Brasil, a crise não é só política ou fiscal. É sobretudo moral. O caso do IOF mostra como o país vive um eterno 7 de setembro do grito de independência: cada Poder bradando sua autonomia enquanto o povo segue acorrentado ao barril de pólvora da desigualdade. O Executivo tenta arrecadar para programas sociais, o Legislativo sabota e o Judiciário vira árbitro de jogo sujo.

Enquanto isso, Hugo Motta e sua trupe legislativa continuarão a vender a ilusão de que estão protegendo o bolso do trabalhador — quando na verdade protegem o cofre dos banqueiros. No fim, o Brasil segue aprisionado, pagando a conta de uma minoria bilionária que não tem nenhum pudor em sugar até a última gota do futuro coletivo.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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