Carta de Freud a uma mãe de um filho homossexual

A bíblia certamente registra medos e preconceitos humanos, bem como esperanças e resiliência humanas, mas a bíblia, como um todo, não é sobre condenação. Esta tem sido uma compreensão mais libertária sobre este famosos livro sagrado.

Retirada da narrativa mais ampla ou divorciada de contextos culturais, linguísticos, literários ou históricos, qualquer frase das escrituras pode ser usada para endossar ou difamar quase qualquer coisa imaginável. Essa não é, no entanto, a maneira mais fiel de interpretar a Bíblia.

Relacionamento, esperança, coragem, generosidade, segundas chances, compaixão e amor são os valores que são repetidamente apresentados nas escrituras, no entanto, ela sempre foi um livro de poder narrativo.

E não é segredo de ninguém, que as Igrejas até os nossos dias incentem em preservar valores arcaicos que condenam as relações afetivas entre pessoas que tenho o mesmo tipo de orgão genital.

Mas o que o Paí da psicanálise pensa sobre este assunto?

Confira a seguir. A carta é de 1935.

Minha querida Senhora,

Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.

Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.

Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.

A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.

Se você mudar de ideia ele deve ser analisado por mim – eu não espero que você vá – ele terá de vir a Viena. Não tenho a intenção de sair daqui. No entanto, não deixe de me responder.

Sinceramente meus melhores desejos, 

Freud

Carta Original

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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