Aos queridos irmão de África
Eu estou a escrever estas palavras para vocês, não sabendo se elas um dia chegarão em vossas mãos, ou se estarei vivo quando ler-a.
Ao longo da minha luta pela independência de nosso Continente nunca duvidei da vitória de nossa causa sagrada, da qual eu e os meus companheiros temos dedicado todas as nossas vidas.
Mas a única coisa que nós queremos para o nosso continente é o direito a uma vida digna, a dignidade sem pretensões e a independência sem restrições.
Isso nunca foi o desejo dos colonialistas o ocidentais e de seus aliados, estes que receberam, directa ou indirectamente, aberta ou secretamente, apoio de alguns oficiais dos cargos superiores das Nações Unidas, o corpo sobre o qual nós colocamos toda a nossa esperança quando recorremos a ele para obter ajuda.
Eles seduziram alguns dos nossos compatriotas, compraram outros e fizeram de tudo para distorcer a verdade de África e manchar nossa independência.
O que eu posso dizer é o seguinte, que eu, – vivo ou morto, livre ou preso – não é o que importa.
O que importa é a África, nosso povo infeliz, cuja independência está sendo espezinhada.
É por isso que eles nos trancaram na prisão e por esta razão eles mantém-nos longe do povo. Contudo, minha fé continua indestrutível.
Eu sei e sinto profundamente em meu coração que mais cedo ou mais tarde meu povo irá livrar-se de seus inimigos internos e externos, que eles levantar-se-ão como um só e dirão “Não!” ao colonialismo, a fim de conquistar sua dignidade em uma terra livre.
Nós não estamos sozinhos. A África, Ásia, os povos livres e os povos que lutam pela sua liberdade em todos os cantos do mundo estarão sempre lado a lado com os milhões de negros que não desistirão da luta enquanto houver um colonialista ou um de seus mercenários em nosso continente.
Para meus filhos, que eu estou a deixar e que, talvez, não os veja novamente, eu quero dizer que o futuro de África é esplêndido e glorioso e que eu espero deles, assim como todos Africanos, o cumprimento da tarefa sagrada de restaurar a nossa independência e nossa soberania.
Sem dignidade não há liberdade, sem justiça não há dignidade e sem independência não existem homens livres.
Crueldade, insultos e tortura jamais poderão forçar-me a implorar por misericórdia, porque eu prefiro morrer de cabeça erguida, com uma fé indestrutível e uma profunda crença no destino de nosso continente, do que viver submisso e renunciar aos princípios que são sagrados para mim.
O dia virá quando a história falar. Mas não será a história que será ensinada e contada em Portugal, Bruxelas, Paris, Inglaterra, Washington ou nas Nações Unidas.
Será a história que será escrita e ensinada nos países que terão se libertado dos colonialistas e de seus fantoches.
A África irá escrever sua própria história e tanto no Norte como no Sul será uma história de glória e dignidade.
Não chorem por mim. Eu sei que meu atormentado continente será capaz de defender sua liberdade e sua independência.
Vida longa ao Congo!
Vida longa à África!
Patrice Lumumba nos deixou não apenas uma carta, mas um chamado. Suas palavras atravessam o tempo, vivas, inflamadas, urgentes. Ele sabia que não estaria presente para ver a libertação plena da África e da diáspora, mas sabia também que a história não terminaria com sua morte. A luta que ele travou contra o colonialismo ainda nos atravessa, pois o inimigo mudou de forma, mas não de essência. O que ele chamava de mercenários e fantoches ainda existem — agora na forma de corporações, bancos, tecnologia e discursos que nos afastam de nós mesmos.
A África e seus filhos espalhados pelo mundo sempre foram a fonte, a raiz, a energia primordial que move a civilização. Das pirâmides de Kemet às revoltas quilombolas, dos ritmos que deram origem ao blues, jazz e hip-hop às matemáticas que hoje estruturam a Inteligência Artificial, tudo remonta ao nosso povo. Mas como Lumumba nos alertou, quem conta essa história? Quem define o que é progresso e para quem ele serve?
Não podemos aceitar que a revolução da tecnologia nos transforme em meros consumidores de um mundo digital que não nos pertence. Devemos ser os programadores, os arquitetos, os inventores, os donos dessa nova era. Devemos escrever nossa própria história, não apenas com palavras, mas com ações. O futuro não será ditado por Bruxelas, Paris, Washington ou Pequim — ele será moldado por aqueles de nós que entenderem que o verdadeiro poder sempre esteve conosco. É hora de retomar o que é nosso. A África escreverá sua própria história — e nós seremos os autores.