Apocalipse nos Trópicos: quando a fé virou arma política.

Desde os primórdios das civilizações, fé e poder caminham de mãos dadas. O uso da religião como instrumento político não é novidade: impérios antigos, como o Romano, converteram deuses em decretos; na Idade Média, reis governavam sob a desculpa do “direito divino”; e até as grandes colonizações europeias foram feitas à sombra de cruzes ensanguentadas. No Brasil, a própria construção do Estado nacional já nasceu atravessada pela catequese forçada, pelo silenciamento das religiões afro-indígenas e pela aliança entre a moral cristã e as elites. Em outras palavras, a mistura entre púlpito e palácio é ancestral — mas nos trópicos, ela ganhou novos contornos.

O que vemos hoje é uma mutação perigosa desse casamento entre fé e poder: o cristianismo transformado em máquina de guerra política. No documentário Apocalipse nos Trópicos, Petra Costa revela com precisão cirúrgica como parte do movimento evangélico no Brasil abandonou o evangelho em nome de um projeto de dominação ideológica. O resultado? Uma cruzada moderna, onde Deus vira slogan, pastores viram coronéis e a espiritualidade é manipulada para justificar o autoritarismo. Não se trata apenas de religião, mas da instrumentalização da fé como arma de controle de massas — uma teocracia disfarçada de democracia tropical.

A produção se aprofunda na expansão exponencial do cristianismo evangélico no Brasil – que saltou de pouco mais de 5% para mais de 30% da população em quatro décadas – e no peso político que esse fenômeno começou a exercer, especialmente durante e após o governo Bolsonaro  .

2. O fio condutor político-religioso

A investigação foca na ascensão do chamado nacional‑cristianismo no cenário brasileiro. A narrativa acompanha:

  • O pastor e influente Silas Malafaia, figura central que emerge como “pára-raios” da tempestade  ;
  • A tomada de partido do movimento evangélico em prol de Jair Bolsonaro, especialmente nas eleições de 2018, com a pandemia servindo como palco para uma revolução espiritual e negacionista do uso de máscaras  ;
  • A tensão na transição para o governo de Lula, que busca conciliar sua fé pessoal com um Estado laico, em meio à pressão de manter o apoio evangélico  .

3. Diferença em relação a “Democracia em Vertigem”

Esse novo longa refina a abordagem intimista que marcou “Democracia em Vertigem” (2019). Destacam-se:

  • Uma narração em off menos introspectiva e mais investigativa – Petra se apresenta como uma estrangeira em seu próprio país, explorando um universo religioso até então desconhecido  .
  • Foco em Silas Malafaia, enquanto em “Vertigem” o olhar era mais sobre Brasília; aqui, o centro de poder é deslocado para os bastidores das igrejas e eventos evangélicos  .

4. Tom, estética e montagem

A narrativa se constrói em capítulos – como “The Kingmaker”, “Dominion” e “Genesis” – e emprega uma montagem que alterna entre imagens aéreas massivas e sequências íntimas com empresários da fé  .

O filme utiliza referências visuais apocalípticas: artes sacras, sons e referências à Bíblia com potencial simbólico e visual carregado, reforçando a ideia de que a política nacional atravessa um momento de catástrofe espiritual orquestrada.

5. Repercussão crítica: aplausos — e contestações

Pontos elogiados:

  • A coragem de Petra em expor o avanço político-religioso, pintando um quadro urgente de como a fé pode sustentar agendas autoritárias  .
  • Roteiro bem-costurado, com entrevistas inéditas de Lula, Bolsonaro e Malafaia — trazendo voz ao núcleo do debate  .
  • Visual potente: uso de drones, drama visual, e cenas chocantes como eventos de 8 de janeiro, conferências religiosas, pandemia, etc  .

Críticas levantadas:

  • Evangélicos conservadores acusam de simplificação, distorção e sensacionalismo — afirmando que o peso político evangélico é mais complexo do que foi mostrado  .
  • Alguns especialistas e até parte da esquerda consideram que o filme falta profundidade histórica e tendenciosidade moralista  .

6. Relevância contemporânea e alerta global

Nos Estados Unidos e Europa, o filme é visto como um alerta sobre “national Christianism”, uma força que pode corroer democracias – e, evidentemente, o Brasil virou um estudo de caso internacional  .

O documentário faz perguntas cruciais:

  • Onde termina a democracia e começa uma teocracia?
  • Como os credos evangélicos moldam estrategicamente narrativas apocalípticas?
  • Quais as consequências para a laicidade de um país adentrado por um “apocalipse religioso”?

7. Público‑alvo, efeitos e impacto

  • Serve como documento histórico, registro artístico e alerta político.
  • Amplifica o debate no Brasil e mundial sobre escopo ético da religião na política.
  • Para o público brasileiro, é um espelho tenso e colocado às pressas de quem fomos – e de quem estamos virando.

8. Recomendações finais

Vale assistir se você quer:

  • Entender por que o Brasil se tornou um dos maiores polos de evangelicalismo político no mundo.
  • Acompanhar entrevistas com quem moldou esse cenário: Lula, Bolsonaro, Malafaia — de forma inédita.
  • Refletir sobre o que acontece quando a fé vira arma de poder — de influência eleitoral a negação sanitária.

Prepare-se para:

  • Cenários emblemáticos, discursos acalorados, imagens que provocam.
  • Uma narrativa pessoal e um tanto subjetiva – não é um estudo acadêmico, é uma experiência cinematográfica cheia de impressões fortes.
  • Debate intenso: nem todo mundo vai concordar. Mas não tem como ignorar.
Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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