A maioria dos brasileiros não entende o que lê, revela estudo.

Recentemente, surgiram dados alarmantes sobre os hábitos de leitura no Brasil: a maioria dos brasileiros não compreende adequadamente o que lê. Um dos vetores desse cenário é a queda nos índices de leitura, mesmo quando as pessoas compram livros. Este texto traz uma investigação atualizada, relacionando estatísticas sobre compra de livros, baixa leitura de páginas, influência das redes sociais e vulnerabilidade à desinformação.

📚 Quem comprou livro — e quantos comprou

Segundo levantamento da Câmara Brasileira do Livro junto à Nielsen BookData, apenas 16% dos brasileiros com mais de 18 anos compraram ao menos um livro nos últimos 12 meses  . Em números absolutos, são cerca de 25 milhões de compradores  . Desses:

  • 56% adquiriram apenas livros físicos;
  • 14% compraram somente versões digitais;
  • 30% consumiram ambos os formatos  .


A média de livros comprados também é modesta: 42% adquiriram entre 3 a 5 obras, e somente 11,5% compraram mais de 10 no ano  . Mulheres concentram a maior parte das compras (61%), especialmente nas classes B e C  . A faixa etária mais representativa situa-se entre 25 e 44 anos, e a penetração regional é mais forte no Sudeste (42%) e Nordeste (28%) .

Apesar disso, 84% da população não comprou livros no último ano  . Entre os não compradores, 35% alegam preço alto como principal motivo, seguidos por falta de livrarias e falta de tempo  .

Há, contudo, uma perspectiva positiva: 77% dos consumidores pretendem comprar livros nos próximos três meses, um aumento de 3 pontos percentuais em relação a 2023  .

Leitura de menos de 10 páginas: a realidade duríssima

Outra pesquisa do Instituto Pró‑Livro (Retratos da Leitura 2024) aponta que 53% dos brasileiros não leram sequer parte de um livro (impresso ou digital) nos três meses anteriores  . Quando analisados apenas os livros lidos por inteiro, esse índice despenca para apenas 27%.

A média de livros lidos nos três meses anteriores caiu de 2,6 para 2,4; quando contado somente livros completos, a média é de apenas 0,82 livro  — ou seja, muitos leitores compram, mas não lêem o bastante.

Dados mais preocupantes revelam que uma parcela significativa das pessoas não ultrapassa as 10 páginas, resumindo-se apenas a alguns trechos. Embora sejam menos comuns levantamentos específicos sobre páginas lidas, a combinação de baixa frequência de leitura, média inferior a um livro completo por trimestre e alta compra, cria o cenário de “comprar sem ler”.

A influência das redes sociais e o “bisbilhotismo literário”

O comportamento de leitores e potenciais leitores está intimamente ligado às redes sociais. Plataformas como TikTok, Instagram e YouTube — com comunidades como o “BookTok” — promovem uma relação rápida e superficial com os livros .

Criadores fazem vídeos curtos, resenhas instantâneas e unboxings, impulsionando vendas. Porém, a mídia social tem um ritmo acelerado, de conteúdo fragmentado, segundo após segundo. Isso fortalece o hábito de “folhear” digitalmente sem se comprometer com uma leitura profunda.

Tais formatos reforçam a cultura da “curtida imediata” e do consumo rápido de fragmentos de texto. Para muitos usuários, ver algo no BookTok ou Instagram é sinônimo de “ler”, ainda que não se frua o texto por completo.

Leitura deficiente = compreensão deficiente?

A compreensão plena de um texto exige tempo, reflexão e repertório. Quando a leitura se limita a fragmentos — 5, 10 páginas ou menos —, há riscos:

  1. Entendimento superficial: menos páginas = menos contexto. Frases são interpretadas isoladamente.
  2. Falta de hábito: sem rotina de leitura regular, o cérebro não treina a atenção prolongada.
  3. Niilismo cultural: se o livro é apenas um item de consumo, perde-se vínculo afetivo com a leitura.

Somado a isso, sabemos que a maior parte dos brasileiros não leu um livro completo por trimestre — e muitos sequer leram algo além de sendas postagens nas redes.

Fake news, desinformação e baixa competência leitora

Não por acaso, esse perfil de leitor vulnerável se reflete no comportamento frente à desinformação. Estudos recentes mostram o quanto isso é grave:

  • Instituto Locomotiva: quase 90% dos brasileiros admitem já ter acreditado em fake news  .
  • Estadão e Locomotiva: 88% já caíram em notícias falsas; 63% acreditaram em boatos sobre campanhas eleitorais  .
  • DataSenado: 72% acreditam ter recebido fake news nos últimos 6 meses; 81% acreditam que isso pode interferir nas eleições; metade considera difícil identificar notícias falsas  .
  • Ipsos (2023): 55% acreditam que mentiras na política aumentaram; 74% estão cientes do uso da IA na criação de fake news  .

Esses números revelam uma triste combinação:

  • alto consumo de conteúdo parcial e rápido;
  • baixa prática de leitura atenta;
  • pouca habilidade para discriminar informações.

Não basta apenas “ouvir” que uma notícia pode ser falsa: a imaturidade de leitura impede análise crítica e interpretação adequada.

O cenário das redes como fontes de notícias

Redes sociais tornaram-se a principal porta de entrada para a informação no Brasil:

  • Em torno de 70% dos brasileiros usam redes sociais como fonte de notícias (dados de 2018)  .
  • O WhatsApp, por exemplo, se tornou um canal essencial de disseminação — mas sem filtros.
  • Plataformas não garantem checagem prévia: o formato viral prioriza engajamento, não veracidade.
  • A maioria dos conteúdos vem de fontes anônimas, e até robôs ou bots são frequentemente apontados como distribuidores de fake news .

Em suma: ampliou-se o consumo de informações sem filtros, via dispositivos móveis, na palma da mão e sem posicionamento crítico.

Conexões e consequências

Fator Impacto na Leitura/Informação
Compras sem leitura completa Baixa retenção, pouca análise, ideal para pasmah na desinformação
Conteúdos fragmentados nas redes Consumismo textual fracionado, sem comprometimento com o significado
Exposição intensa a fake news Crença sem crítica, pela falta de repertório e paciência para checar fontes
Baixa habilidade de checagem 50% dizem ser difícil identificar notícias falsas

Esses elementos formam um enorme terreno fértil para a desinformação, o sensacionalismo e a manipulação política.

Reflexões e recomendações

  1. Formação de leitor crítico
    Investir no fortalecimento de programas de leitura que incentivem hábitos além de livros — também jornais, ensaios e reportagens de qualidade.
  2. Leitura profunda como prática cultural
    Promover círculos de leitura, clubes literários e desafios de 100 páginas por mês; ensaios e reflexões posteriores melhoram a compreensão.
  3. Educação midiática como disciplina escolar
    Ensinar desde cedo a checar fontes, avaliar viéses e desenvolver senso crítico — habilidades essenciais em uma era de desinformação.
  4. Uso saudável das redes sociais literárias
    Explorar plataformas como BookTok e Instagram, mas seguindo o caminho completo: ler o livro indicado, comentar, revisar.
  5. Media literacy para adultos
    Campanhas públicas para alertar que a habilidade de navegar nas redes exige pensamento crítico — e essas habilidades podem e devem ser aprendidas por todos os públicos.

O panorama é claro: apesar de progressos pontuais — como o aumento de leitores eventuais e o consumo de livros físicos —, o Brasil enfrenta uma crise grave de leitura qualificada. Comprar livros sem ler, consumir fragmentos literários nas redes e se expor diariamente à desinformação cria uma combinação explosiva: leitores mal preparados que acreditam em tudo que veem.

Se “não entender o que se lê” já deveria ser suficiente para alarmar, somado à vulnerabilidade frente à fake news, o alerta fica vermelho: O Brasil precisa urgentemente resgatar a leitura como atitude profunda, crítica e reflexiva. É só assim que voltaremos a entender o que lemos — e, mais do que isso, viveremos num país capaz de tomar decisões informadas.

Referências utilizadas na matéria:

📑 Referências utilizadas na matéria

Fonte / Instituição Destaques principais
CBL/Nielsen BookData (fev/2025) 16% dos brasileiros compraram ao menos um livro em 12 meses; 11,5% compraram mais de 10 livros
Poder360 (jan/2024) Apenas 16% da população comprou livros no último ano; preço é uma das maiores barreiras
PublishNews (dez/2023) 84% da população não comprou livros; mulheres das classes B e C são maioria entre os compradores
Instituto Pró‑Livro – Retratos da Leitura (nov/2024) 53% não leram nenhum livro nos 3 meses anteriores; média de leitura de 0,82 livro completo
VEJA / Senado (2024) Queda de 6,7 milhões de leitores em quatro anos; crescimento da leitura fragmentada e ocasional
Instituto Locomotiva (abr/2024) 88% já acreditaram em fake news; 62% acham que sabem identificar notícias falsas
DataSenado (out/2024) 72% receberam fake news recentemente; 50% acham difícil diferenciar conteúdos verdadeiros e falsos
Ipsos (jan/2024) 74% dizem que IA aumentou desinformação; 55% veem crescimento das mentiras políticas; 72% confiam no próprio julgamento

 

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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