A homoafetividade no antigo Egito era respeitada e até celebrada em templos.

Ao contrário do que muitos pensam, no antigo Egito não havia repressão ou condenação de morte para casos de homoafetividade. A cultura egípcia, rica e diversificada, permitia a expressão de diferentes formas de amor, incluindo a homoafetividade, que era respeitada e, em alguns casos, até celebrada em templos. Um exemplo marcante dessa aceitação é o caso dos altos funcionários Nyankh-Khnum e Khnum-hotep, que viveram e serviram sob o faraó Niuserre durante a 5ª dinastia, entre 2494 e 2345 a.C.

Nyankh-Khnum e Khnum-hotep eram casados e tinham suas próprias famílias, com filhos e esposas. No entanto, ao morrerem, suas famílias decidiram enterrá-los juntos na mesma mastaba. Essa decisão é profundamente significativa, pois demonstra reconhecimento e respeito pelo vínculo especial entre os dois homens. As pinturas encontradas na mastaba são ainda mais reveladoras: elas mostram Nyankh-Khnum e Khnum-hotep abraçados e tocando os rostos, nariz com nariz. No contexto do Egito antigo, esse gesto era geralmente interpretado como um beijo, uma expressão clara de afeto e intimidade.

Essas representações artísticas sugerem que a relação entre Nyankh-Khnum e Khnum-hotep era aceita e, possivelmente, até celebrada pela sociedade da época. Estudos sobre essas pinturas indicam que elas fornecem evidências de uma relação homoafetiva entre dois homens casados, reforçando que os antigos egípcios tinham uma visão mais aberta e inclusiva sobre os relacionamentos do que muitas culturas que vieram depois. Greg Reeder, egiptólogo que estudou extensivamente este caso, argumenta que as representações de Nyankh-Khnum e Khnum-hotep são uma forte evidência da aceitação de relações homoafetivas no antigo Egito.

A aceitação da homoafetividade no Egito antigo contrasta fortemente com as atitudes repressivas que surgiram em períodos subsequentes da história, muitas vezes influenciadas por sistemas religiosos e culturais.

Religiões, especialmente as tradições monoteístas que emergiram posteriormente, desempenharam um papel significativo na transformação das atitudes em relação à homossexualidade, promovendo normas mais restritivas e condenatórias.

Casal gay Egito, imagem gerada por IA.

Adicionalmente, a história do rei Pepi II, do Império Médio, também ilustra a complexidade das relações no antigo Egito. Um texto relata que Pepi II visitava frequentemente seu general Sasenet à noite e “fazia com ele o que sua majestade desejava”. Essa frase, frequentemente interpretada como uma alusão a um vínculo íntimo, também gerou debates entre os estudiosos. Enquanto alguns defendem que o texto descreve um relacionamento homoafetivo, outros argumentam que se trata de uma metáfora religiosa comparando o faraó ao deus Rá visitando Osíris.

Outro relato fascinante vem do mito de Hórus e Set, registrado nos Kahun Papyri. A história descreve a rivalidade entre o jovem Hórus e seu tio Set, que tenta humilhá-lo por meio de um ato de natureza sexual. Embora o ato seja interpretado como uma tentativa de desonra e não como uma expressão de amor, a narrativa ilustra como a sexualidade era representada de maneira multifacetada e simbólica na mitologia egípcia. Alguns estudiosos, como Cheikh Anta Diop, sugerem que Set era frequentemente associado a energias que transcendiam os conceitos tradicionais de masculinidade e feminilidade, indicando uma complexidade na visão egípcia sobre as relações humanas.

Essas histórias mostram que, enquanto o antigo Egito celebrava e respeitava as relações entre pessoas do mesmo sexo em muitos contextos, também reconhecia a diversidade e os desafios nas interações humanas. A sociedade egípcia, orientada pelos princípios de MA’AT, buscava a harmonia e o equilíbrio em todas as dimensões da vida, rejeitando a repressão que viria a caracterizar períodos posteriores da história.

O Caso do amor de Xangô por Oxumarê: Beleza, Transformação e Dualidade na Mitologia Africana

Xangô é Oxumarê

Segundo o mito, Oxumarê era conhecido por sua extraordinária beleza e pelas roupas vibrantes e apetrechos coloridos que chamavam a atenção de todos. Sua presença despertava tanto a inveja quanto a paixão, mas, apesar disso, Oxumarê mantinha-se reservado e solitário, preferindo seguir seu caminho longe das intrigas alheias. Essa postura contida, aliada à sua singularidade, despertou o interesse de Xangô, o orixá da justiça, do poder e da virilidade, que decidiu arquitetar um plano para se aproximar de Oxumarê e ter para si as belas vestes e apetrechos que o tornavam tão único.

Xangô, usando sua posição de autoridade, convocou Oxumarê a seu palácio e, com a força de seus soldados, fez da bela divindade seu prisioneiro. Oxumarê, percebendo a armadilha, clamou pela ajuda de Olorum, o criador de todas as coisas. Atendendo ao chamado de Oxumarê, Olorum o transformou em uma poderosa e temível cobra. Nesse novo estado, Oxumarê conseguiu escapar por uma pequena fresta na porta do salão, deixando Xangô amedrontado e sem sua tão desejada posse.

Esse mito, repleto de simbolismos, reflete muito mais do que um embate entre Xangô e Oxumarê. Ele explora a complexidade da dualidade, da transformação e da fluidez que Oxumarê representa. Enquanto Xangô é um símbolo de força, autoridade e poder consolidado, Oxumarê incorpora a mudança constante, a passagem do tempo e a integração de opostos. Ele transita entre as energias masculina e feminina, representando todas as manifestações duais da vida, como o dia e a noite, a vida e a morte, e o bem e o mal. Essa fluidez desafia qualquer tentativa de categorização rígida, tornando Oxumarê uma divindade que transcende limites e abraça a totalidade da existência.

A relação homoafetiva entre Xangô e Oxumarê, presente em algumas interpretações do mito, pode ser entendida como um encontro entre forças complementares. O interesse de Xangô por Oxumarê não se limita à posse de suas vestes ou apetrechos, mas simboliza também o desejo de compreender e integrar a fluidez e a transformação que Oxumarê representa. Da mesma forma, Oxumarê, embora inicialmente capturado, demonstra que sua essência não pode ser aprisionada ou limitada, reafirmando seu papel como o orixá da renovação e da mudança.

Essa narrativa também reflete aspectos importantes das pessoas associadas a Oxumarê. Seus filhos, segundo as tradições, são frequentemente vistos como indivíduos reservados, que preferem a transformação constante em suas vidas e buscam progresso, riqueza e renovação. Eles encarnam a capacidade de mudar, adaptando-se aos ciclos da vida, tal como o próprio Oxumarê.

No campo das relações humanas, o mito nos convida a refletir sobre a aceitação das diferenças e a beleza da diversidade. Oxumarê nos ensina que a transformação e a dualidade não são fraquezas, mas forças essenciais que nos permitem crescer e evoluir. A interação com Xangô demonstra que até mesmo a força e a autoridade devem reconhecer o valor da fluidez e da liberdade.

Assim, o caso entre Xangô e Oxumarê vai além de uma história de desejo e captura; é um símbolo profundo de complementaridade, transformação e o eterno movimento entre os opostos que compõem o universo. Essa narrativa mitológica é um testemunho da riqueza das tradições africanas e de sua capacidade de celebrar a pluralidade e a complexidade da existência.

Referência Complementar:

Confirmando a presença da ‘Homoafetividade’ através dos milênios culturais da humanidade, em parcela. de seus povos, revelados dos baixos-relevos keméticos às nações indígenas da América…”

(Pan-Africanismo e Homoafetividade – Volume 1 – Editora Filhos da África)

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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