Nos Estados Unidos do início do século XX, um bairro na cidade de Tulsa, Oklahoma, tornou-se um dos maiores exemplos da força e prosperidade do povo preto diante da segregação e do racismo institucionalizado. Black Wall Street, como ficou conhecida a região de Greenwood, foi um dos centros mais ricos formados por pessoas de ascendência africana no país, abrigando centenas de negócios, profissionais qualificados e uma economia autossustentável. No entanto, esse símbolo de ascensão foi violentamente destruído no Massacre de Tulsa, em 1921, quando multidões brancas, movidas pelo racismo, saquearam, queimaram e assassinaram indiscriminadamente.
A história de Black Wall Street não pode ser contada sem entender a importância do empreendedorismo preto e a resistência do povo africano na diáspora, que, mesmo diante das restrições impostas pela segregação, conseguiu criar um verdadeiro império econômico.
O Homem que Comprou 40 Acres de Terra e Criou uma Nação
A história de Black Wall Street começou quando O.W. Gurley, um empresário preto visionário, vendeu suas propriedades em Noble County e mudou-se para Tulsa, Oklahoma, durante o boom do petróleo em 1905. Ele comprou 40 acres de terra ao norte da cidade e fundou seu primeiro negócio: uma pensão para viajantes negros, localizada em uma estrada de terra que, anos depois, se tornaria a famosa Greenwood Avenue.
Gurley não apenas estabeleceu sua própria riqueza, mas também vendeu lotes e incentivou outras pessoas pretas a abrir seus próprios negócios. Ele tinha um objetivo claro: criar um espaço onde o povo preto pudesse viver com autonomia financeira, sem depender da economia controlada por brancos, que explorava e marginalizava as pessoas pretas no país.
Ao longo da década seguinte, Greenwood cresceu rapidamente e se tornou uma das maiores concentrações de pessoas pretas ricas dos Estados Unidos. De 1910 a 1920, a população preta da área saltou de 2.000 para quase 9.000 pessoas, enquanto a cidade de Tulsa atingia 72.000 habitantes. O desenvolvimento econômico e a independência financeira do povo preto eram tão impressionantes que o bairro passou a ser chamado de “Negro Wall Street” pelo educador Booker T. Washington, que reconheceu a força econômica daquela população.
Black Wall Street: Um Centro Econômico Preto Autossuficiente
Diferente de outras regiões dos EUA onde as pessoas pretas eram obrigadas a depender de empregos exploratórios em empresas brancas, Greenwood se destacou por ter um sistema econômico próprio, construído e mantido por pessoas de ascendência africana. O dinheiro circulava entre os negócios pretos, criando uma rede de crescimento sem precedentes.
O bairro abrigava bancos, supermercados, lojas de roupas, salões de beleza, barbearias, teatros, farmácias, consultórios médicos, advogados e escolas. Profissionais pretos altamente qualificados, como médicos, advogados, dentistas e engenheiros, serviam exclusivamente a sua própria população, reduzindo a dependência do sistema branco e segregacionista.
Empreendedores como Gurley investiram pesado para que os negócios pretos prosperassem, financiando novos empreendimentos e garantindo que as propriedades continuassem em posse de pessoas pretas. Entre as empresas mais notáveis, estavam:
• O Gurley Hotel, localizado na 112 N. Greenwood, que hospedava viajantes e servia como ponto de encontro para empresários pretos.
• J.B. Stradford, um advogado preto que possuía um luxuoso hotel de 54 quartos, um dos maiores estabelecimentos comerciais da região.
• O Dreamland Theater, um cinema de luxo que exibia filmes para pessoas pretas e era um dos pontos culturais mais movimentados da Black Wall Street.
• O jornal The Tulsa Star, um dos principais veículos de comunicação da população preta de Tulsa, que cobria temas de interesse do povo preto e denunciava as injustiças raciais.
Além disso, Greenwood possuía escolas de excelência, onde as crianças pretas recebiam educação de alta qualidade, algo raro em um período em que a segregação racial limitava as oportunidades educacionais do povo preto.
O Racismo Não Suportou o Sucesso Preto
A ascensão de Black Wall Street incomodou a população branca racista de Tulsa, que não aceitava ver pessoas pretas acumulando riqueza e vivendo de forma independente. O bairro era um exemplo de que o povo preto poderia prosperar sem a tutela do sistema branco, e isso gerou inveja e ressentimento entre os supremacistas brancos.
O pretexto para a destruição de Greenwood surgiu em 31 de maio de 1921, quando um jovem preto chamado Dick Rowland foi falsamente acusado de assediar uma mulher branca em um elevador. A acusação foi suficiente para que uma multidão de homens brancos armados se organizasse para linchá-lo. Quando os residentes pretos de Black Wall Street tentaram protegê-lo, a violência escalou e se transformou em um dos piores massacres raciais da história dos Estados Unidos.
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Na noite de 31 de maio para 1º de junho de 1921, milícias brancas incendiaram lojas, casas, igrejas e empresas de Greenwood, matando indiscriminadamente pessoas pretas e saqueando seus negócios. Durante 18 horas, a Black Wall Street foi completamente destruída. Estima-se que mais de 300 pessoas pretas foram assassinadas e cerca de 10.000 ficaram desabrigadas.
A Guarda Nacional e a polícia de Tulsa não apenas falharam em proteger a população preta, como também colaboraram com os ataques, prendendo vítimas pretas enquanto os brancos incendiavam o bairro impunemente. Além disso, aviões particulares sobrevoaram Greenwood e jogaram explosivos, tornando o massacre um dos primeiros casos de bombardeio aéreo contra civis nos Estados Unidos.
A Tentativa de Apagar Black Wall Street da História
Após o massacre, as vítimas pretas não receberam nenhuma indenização pelos seus bens destruídos. Pelo contrário, o governo de Tulsa criminalizou os sobreviventes, prendendo centenas de pessoas pretas sob falsas acusações de incitação à violência.
Os jornais brancos minimizaram o evento, e por décadas, a história de Black Wall Street foi deliberadamente apagada dos livros escolares e da memória coletiva americana. Foi somente após décadas de luta do povo preto que o Massacre de Tulsa começou a ser reconhecido como um dos piores crimes racistas da história dos EUA.
O Legado da Black Wall Street
Embora tenha sido destruída, a Black Wall Street continua sendo um símbolo de resistência, inteligência e poder do povo preto. Sua história prova que, mesmo em meio a um sistema racista e opressor, as pessoas pretas são capazes de construir riqueza, educar suas comunidades e criar redes de apoio econômico.
Hoje, a luta por reparação histórica continua, com descendentes das vítimas exigindo que o governo dos EUA reconheça oficialmente o massacre e pague indenizações às famílias afetadas.
A Black Wall Street não foi apenas um bairro próspero — foi um movimento, uma revolução silenciosa do povo preto contra um sistema que tentava mantê-los na pobreza. Seu legado vive, inspirando novas gerações a construir sua própria independência econômica e a nunca permitir que a história seja esquecida.
A destruição de Black Wall Street não foi um caso isolado — foi uma demonstração clara de como o sucesso preto sempre foi visto como uma ameaça pelo sistema branco racista. Mas a luta não acabou. A memória de Greenwood continua viva, e seu exemplo segue sendo uma inspiração para aqueles que lutam por justiça econômica, reparação e respeito ao legado do povo preto.
Black Wall Street não foi apagada. Black Wall Street vive.