Goste ou não, Beyoncé é uma lenda viva. O maior ato pop global.

Neste 4 de setembro de 2025, Beyoncé Giselle Knowles-Carter completa 44 anos de vida. Nascida em 1981, em Houston, no Texas (EUA), ela veio ao mundo em um período em que a Guerra Fria ainda ditava a política internacional, a disco music cedia espaço ao hip hop nascente e a televisão dominava como veículo de massa. Cresceu em um país marcado pela segregação racial recente e por desigualdades estruturais profundas, ambiente que moldaria tanto sua arte quanto sua visão de mundo. Quatro décadas depois, a menina texana não é apenas uma estrela consagrada: é uma lenda viva, o maior ato pop global e, sem dúvida, já se inscreve entre as maiores artistas de toda a história do planeta.

Beyoncé já não pertence apenas à indústria da música. Ela é, há pelo menos duas décadas, um movimento cultural em si mesma, um ponto de referência onde arte, política e ancestralidade se entrelaçam. A cada novo trabalho, a artista reafirma sua posição não só como uma das maiores performers de todos os tempos, mas também como uma intérprete da história e das lutas de um povo. Mais do que hits de rádio ou coreografias virais, sua obra construiu um corpo narrativo que reivindica memória, identidade e libertação.

Quando Beyoncé lançou Black Is King em 2020, muitos esperavam apenas mais um espetáculo visual à altura de sua grandiosidade. O que ela entregou foi muito mais: um manifesto africanizado, uma ode às raízes do continente que molda não apenas sua própria trajetória, mas a de milhões de descendentes espalhados pelo mundo. Não é um projeto fácil, nem feito para agradar à indústria. É um filme-álbum que exige leitura, atenção, abertura espiritual. E justamente por isso, tornou-se um marco.

O gesto político de olhar para trás

Black Is King nasce como complemento ao remake de O Rei Leão, mas ganha vida própria ao expandir as metáforas da ancestralidade, do exílio e do retorno. Ao revisitar símbolos africanos, roupas, narrativas e mitologias, Beyoncé recusa a lógica colonial que sempre reduziu o continente a estereótipos de pobreza ou miséria. Ela devolve a África sua centralidade estética, política e espiritual, e faz isso a partir da potência do audiovisual contemporâneo.

A mensagem é clara: não se trata apenas de uma história sobre leões ou savanas, mas sobre herdeiros e herdeiras que foram arrancados de sua terra e precisam reencontrar suas raízes. Nesse gesto, Beyoncé faz algo raro entre superestrelas globais: ela usa o aparato do entretenimento ocidental para devolver dignidade a uma história que foi violentamente silenciada.

A estética como arma

Cada cena de Black Is King é um ato de afirmação. Os figurinos remetem a reinos africanos, às indumentárias reais, aos tecidos tradicionais que cruzaram o Atlântico em forma de memória. A fotografia resgata tons quentes, dourados, solares, como se a própria luz fosse personagem central. A música, por sua vez, mistura sonoridades globais com batidas, ritmos e vozes do continente africano contemporâneo, estabelecendo uma ponte entre passado e presente.

Essa estética não é mero enfeite: é discurso. Beyoncé compreendeu que a batalha cultural também se trava no campo das imagens. Ao construir um espetáculo que coloca a África no centro, ela corrige séculos de apagamento, deslocando a narrativa do olhar colonizador para um olhar de dentro, orgulhoso, afirmativo.

Um álbum africanizado

Muitos críticos chamaram Black Is King de “africanizado” não apenas pela estética, mas pela lógica que organiza o trabalho. Trata-se de um projeto que recusa o padrão linear ocidental de storytelling e se aproxima de uma cosmovisão circular, onde o nascimento, a morte e o renascimento se encontram. A jornada apresentada por Beyoncé não é apenas do personagem inspirado em Simba, mas de todo um povo que busca reconexão com sua ancestralidade.

A força do álbum está justamente nessa fusão: músicas que transitam entre o pop global e o afrobeats, colaborações com artistas africanos, narrativas visuais que evocam divindades, reinos, arquétipos. Beyoncé reconhece, sem disfarces, que seu sucesso individual só faz sentido quando se conecta ao legado coletivo.

O impacto cultural

Ao lançar Black Is King, Beyoncé sabia que enfrentaria resistências. De um lado, a indústria sempre espera dela apenas o entretenimento, nunca a contestação. De outro, setores conservadores acusaram o projeto de ser “político demais”, como se fosse possível separar estética e política quando se fala de ancestralidade africana. Ainda assim, o impacto foi imediato: jovens do mundo inteiro começaram a revisitar sua relação com a África, a questionar a visão colonizada que herdaram, a valorizar símbolos antes apagados.

Mais do que um álbum ou um filme, Black Is King tornou-se ferramenta pedagógica. Em escolas, universidades e movimentos culturais, passou a ser estudado como referência estética e política. Em comunidades espalhadas pelo mundo, virou combustível para debates sobre identidade, reparação e orgulho.

Beyoncé como maior ato

É nesse ponto que Beyoncé transcende a figura de popstar. Enquanto muitos artistas se contentam em repetir fórmulas comerciais, ela assumiu o risco de fazer do palco um espaço de libertação. Black Is King é apenas um exemplo de uma trajetória que já incluía Lemonade, com seu mergulho na dor e resistência das mulheres, e Formation, com o enfrentamento direto ao racismo nos Estados Unidos.

O que Beyoncé nos lembra, com cada obra, é que não basta cantar. É preciso traduzir o tempo, dar nome às feridas, reivindicar as raízes. Ao africanizar um projeto global, ela não apenas celebra sua própria ancestralidade, mas também devolve ao continente africano uma centralidade que o mundo insiste em negar.

Conclusão

Goste ou não, Beyoncé já ocupa o lugar de lenda viva. Sua arte não é neutra, não é domesticada, não é feita para agradar a todos. Ela incomoda, provoca, reconfigura. Black Is King é o símbolo maior desse processo: um álbum-filme que se recusa a aceitar a lógica colonial, que devolve dignidade à ancestralidade e que transforma cultura pop em ferramenta de libertação.

Se a história julgará Beyoncé como o maior ato de sua geração, isso já não importa. O que importa é o que ela já fez: mostrar que a música pode ser política, que a estética pode ser arma, que a ancestralidade pode ser celebrada em escala global. E isso, ninguém poderá apagar.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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