Tenho estudado, neste mês de setembro, a prática da atenção plena. Fiz isso com a intenção clara de melhorar meu desempenho em absolutamente tudo: no trabalho, na academia, nas relações, no simples caminhar pelas ruas. Comecei a perceber que não há tarefa pequena demais para não merecer toda a minha presença. Quando sento, quando levanto, quando falo, quando respiro. A atenção plena me convida a estar inteiro em cada instante, como se cada segundo fosse um portal único, irrepetível.
No início, pareceu simples: observar meus pensamentos chegando, perceber quando eles se instalam, quando partem como nuvens no céu da mente. Mas logo compreendi que é um exercício contínuo, quase uma ginástica espiritual. Ao contrário do que pensava, não se trata de “esvaziar a mente”, mas de aprender a estar atento a cada movimento interno — sem se aprisionar nele. E isso exige disciplina, compaixão consigo mesmo e uma paciência radical.
É curioso perceber como a atenção plena não está restrita a um contexto religioso fechado. Embora o budismo a traga em sua essência, ela dialoga com tradições muito mais antigas. Quando comecei a mergulhar nisso, me lembrei das 42 Leis de Maat, vindas do Egito Antigo, que também nos convidam a viver em harmonia, com equilíbrio e ética. A sabedoria africana ancestral e a sabedoria budista, distantes no espaço, encontram-se no mesmo ponto: o coração humano precisa de presença.
Sinto que a prática tem me transformado. Não porque minha vida se tornou milagrosamente leve, mas porque percebo as sombras com mais clareza e lido com elas com menos ansiedade. O simples ato de comer uma fruta, observar sua textura, sentir o sabor lentamente, sem correria, já é um ato de resistência contra um mundo que nos empurra para a pressa e para a distração permanente. A atenção plena é um chamado: desperte, desperte, desperte.
As Quatro Nobres Verdades
O Buda, em sua iluminação, nos deixou como herança um mapa de clareza conhecido como As Quatro Nobres Verdades. Elas não são dogmas, mas observações profundas sobre a vida:
- A vida contém sofrimento (Dukkha).
Não é um pessimismo, é uma constatação: a dor existe, a impermanência é inevitável. Desde as pequenas frustrações até as grandes perdas, o sofrimento é parte do tecido da existência. - A causa do sofrimento é o apego.
Sofremos porque nos agarramos: a ideias, a pessoas, a resultados. Esse apego é a raiz da dor. Queremos controlar o que é, por natureza, incontrolável. - O sofrimento pode cessar.
O budismo nos traz esperança realista: é possível libertar-se do ciclo do sofrimento. A liberdade começa quando aprendemos a soltar, a deixar ir. - O caminho para essa cessação é o Nobre Caminho Óctuplo.
Um guia prático, ético e meditativo, que nos leva a cultivar uma vida mais desperta.
O Caminho Óctuplo e a Atenção Plena
Dentro desse caminho, a atenção plena (sati) ocupa lugar central. Ela nos pede que estejamos presentes ao corpo, às sensações, à mente e aos fenômenos. Não é por acaso que o termo “mindfulness” ganhou força no Ocidente: é um antídoto contra a dispersão. Mas não se trata apenas de técnica psicológica, e sim de ética existencial.
Ser atento é também ser ético. Quem está atento não fere deliberadamente, não agride por automatismo, não perpetua injustiças sem se dar conta. A atenção plena é revolucionária porque nos tira do piloto automático que sustenta a violência do cotidiano. Quando me percebo reagindo com raiva, posso escolher respirar. Quando sinto inveja, posso olhar para ela sem me deixar devorar. Quando desejo algo que não posso ter, posso reconhecer esse desejo e deixá-lo passar. Assim, a mente se torna livre, não porque deixou de sentir, mas porque aprendeu a não se escravizar.
Diálogos com a Sabedoria Africana
As 42 Leis de Maat dizem: “Não levantarei minha voz com raiva”, “Não destruirei a natureza”, “Não alimentarei o ódio”. Esses princípios ecoam a mesma ética da atenção plena: viver em harmonia consigo mesmo, com os outros e com o cosmos. Se o budismo nos convida a perceber a impermanência, Maat nos lembra da balança da justiça, da necessidade de leveza no coração. Ambas as tradições nos chamam a despertar para a responsabilidade que temos pelo equilíbrio do mundo.
Enquanto na modernidade tudo nos empurra para a velocidade e a desconexão, esses saberes ancestrais nos pedem calma. Não uma calma passiva, mas ativa: a calma de quem constrói, observa, transforma. Estar presente é também resistir contra o esquecimento de quem somos.
Atenção Plena no Cotidiano
Praticar atenção plena não exige templos distantes. Exige presença ao varrer a casa, ao responder mensagens, ao escrever um texto como este. É um treinamento diário. Ao invés de pensar apenas no resultado, aprendo a saborear o processo. Ao invés de me perder em comparações, volto para a respiração.
É assim que descubro que não é apenas uma técnica de produtividade — é um ato de dignidade humana. É também um ato político: em um mundo que lucra com nossa distração, escolher estar presente é um gesto de liberdade.