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Vencemos a morte?A Neuralink garante que será possível salvar sua mente e transferi-la para um corpo robótico.

AI Brain

Estaremos à beira da imortalidade digital?

A pergunta parece saída de um roteiro de ficção científica, mas ela ecoa cada vez mais entre as paredes silenciosas dos laboratórios mais avançados do planeta: será possível vencer a morte? Não apenas adiar o inevitável com remédios e terapias de prolongamento da vida, mas realmente salvar a mente humana, codificá-la, e inseri-la em um novo corpo — robótico, artificial, imortal? Se isso soa fantasioso, saiba que essa ideia é tratada com ares de seriedade por ninguém menos que Elon Musk e sua empresa Neuralink, voltada para o desenvolvimento de interfaces neurais entre o cérebro e computadores.

É nesse cenário que a ideia de “vencer a morte” parece fazer sentido. Para quê morrer, se posso fazer o upload da minha mente? Para quê envelhecer, se posso habitar um novo corpo, robótico, à prova do tempo? Elon Musk, o profeta do vale do silício, nos promete uma ressurreição tecnológica via Neuralink. Mas essa ideia — vendida como libertação — talvez seja apenas a próxima fase da servidão. A promessa da imortalidade digital é o novo paraíso vendido por um punhado de bilionários brancos, os mesmos que sempre comandaram os sistemas de vida e morte neste planeta.

A Morte é o Inimigo ou a Última Liberdade?

Antes de tudo: o que é “vencer a morte”? É evitar o fim do corpo? É garantir a continuidade da memória? É transferir a alma? É não desaparecer da nuvem?

A morte sempre foi uma professora. A certeza da finitude é o que dá cor à vida. Sem ela, seríamos prisioneiros de uma eternidade sem propósito. E é exatamente isso que os tecnofetichistas parecem desejar: não viver mais plenamente, mas sim nunca morrer. Querem existir como dados eternos, mas se esquecem que dados não têm cheiro, não têm toque, não sofrem arrepios. A alma humana se constrói no atrito com o efêmero.

E é por isso que essa tal “imortalidade via chip” soa mais como uma maldição do que uma salvação. Seria como morar para sempre em um shopping vazio com Wi-Fi. Um eco do que fomos. Um eterno domingo sem sentido.

Os Computadores Quânticos e a Corrida do Infinito

Enquanto a maioria da população vive lutando pra ter o que comer, Japão, China e EUA estão travando uma corrida silenciosa: a computação quântica. Em 2024, o Japão anunciou o Fugaku-Q — um colosso de velocidade e eficiência capaz de processar informações com uma lógica além do binário. A China já mostrou sua máquina Jiuzhang 2.0, que desafia qualquer supercomputador ocidental. Esses computadores não apenas pensam: eles dobram a realidade dos cálculos.

Com essa potência, mapear o cérebro humano pode ser uma questão de tempo. A IA, impulsionada por esses monstros quânticos, já simula vozes, rostos, emoções. Ela cria humanos digitais quase perfeitos. Agora imagine quando ela puder simular uma mente completa — ou absorvê-la.

O mais assustador não é a tecnologia em si. É quem está por trás dela. Quase toda a infraestrutura tecnológica do planeta está nas mãos de um pequeno grupo de empresas, dominadas por uma elite branca eurocentrada, controladora, racista e patriarcal. A mesma que colonizou territórios, corpos e mentes, agora quer colonizar a alma. Se a morte era o último território livre, agora eles também querem capturá-la.

A Imortalidade Digital Será Branca?

É urgente fazer a pergunta: quem vai viver para sempre? Quem vai ter acesso à eternidade via nuvem, servidor ou robô de titânio?

A resposta é previsível. Se hoje a esmagadora maioria dos africanos em diáspora mal têm acesso à saúde básica, à moradia digna e à preservação de suas culturas, por que imaginamos que terão acesso à imortalidade digital? A história mostra que as grandes revoluções tecnológicas só aprofundaram as desigualdades. A máquina a vapor criou o colonialismo industrial. A internet criou o colonialismo dos dados. E agora, a IA e o transumanismo podem criar o colonialismo da consciência.

O que está sendo vendido como “liberdade pós-biológica” pode se tornar uma prisão eterna. Um sistema onde apenas os ricos poderão viver para sempre — e apenas se aceitarem os termos de uso do império. O resto continuará morrendo, como sempre morreu: anônimo, descartado, esquecido.

A Realidade Já É Uma Simulação

Talvez o que mais assuste não seja a possibilidade de simular uma mente, mas perceber que nós já estamos vivendo uma simulação.

As redes sociais criam versões editadas de nós. Os algoritmos moldam nossos desejos. A inteligência artificial escreve posts, e-mails, roteiros de filmes. A distinção entre o real e o fabricado já se perdeu. Vivemos dentro de uma bolha narrativa construída por empresas que sabem mais sobre nosso comportamento do que nós mesmos.

A pergunta que deveríamos fazer não é “como vencer a morte?”, mas “como sair da simulação em que já estamos?”. Ou então, “como não permitir que a próxima simulação seja ainda mais controladora?”

A Alma Não Cabe em um Chip

Por mais avançadas que sejam as máquinas, existe algo na experiência humana que não pode ser codificado. O cheiro da terra molhada, o toque da pele amada, o silêncio que arrepia, a lágrima que não se explica. Tudo isso escapa às equações. Nenhum supercomputador quântico poderá simular a complexidade de um sentimento vivido.

A cultura africana já dizia: “sou porque nós somos.” Isso é Ubuntu. A consciência não é um dado individual, mas um campo coletivo, relacional, ancestral. A alma se forma em comunidade, e não em servidores solitários. Transferir uma mente para um robô pode ser possível. Mas transferir o espírito — isso é outra coisa.

Então Viver Para Sempre… Pra Quê?

Num planeta que agoniza, onde espécies inteiras são extintas a cada dia, viver eternamente chega a ser uma ofensa. Os indígenas estão sendo dizimados, o cerrado queimado, os mares sufocados por plástico, e a elite tecnológica quer brincar de deuses digitais.

Imortalidade para quê? Para continuar acumulando capital? Para manter o ego funcionando eternamente? Para não encarar o mistério da morte, que sempre fez parte da jornada humana?

Talvez vencer a morte não signifique negá-la, mas compreendê-la. E talvez a verdadeira transcendência esteja em aceitar a impermanência com dignidade. Não como derrota, mas como parte da dança cósmica. Morremos para que outros possam viver. Partimos para que o ciclo continue. E isso é belo.

Última Reflexão: Quem Vai Desligar o Servidor?

Mesmo que tudo isso se torne real — mentes transferidas, corpos robóticos, eternidade simulada — a pergunta final ainda ecoa no abismo digital:

Quem vai cuidar da sua mente depois que ela for transferida?

Quem garante que sua versão imortal não será hackeada, apagada, editada?

Quem controla o botão de desligar?

Se hoje já somos controlados por algoritmos de engajamento, imagine o que será quando estivermos literalmente vivendo dentro de um deles. A morte, nesse contexto, talvez seja nossa última liberdade.

Wanderson Dutch
Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016). Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo. É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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