Minha experiência com a Ayahuasca.

No último dia 12 de julho de 2025, vivi aquilo que, por muito tempo, foi apenas um chamado interno: minha primeira consagração com a Ayahuasca, a mãe das medicinas da floresta. O local escolhido para esse rito foi a cidade de Juquitibá, uma região periférica e ao mesmo tempo isolada, distante cerca de uma hora e meia do centro de São Paulo. Trata-se de um território de difícil acesso, onde só automóveis ou motocicletas conseguem chegar, o que garante uma atmosfera quase intocada, propícia para vivências espirituais profundas. Foi nesse cenário — entre árvores, riachos e o canto dos pássaros — que me reuni com o Clã do Sol, grupo com mais de dez anos de trabalho sério, profissional e absolutamente legalizado para o uso ritualístico da Ayahuasca.

A oportunidade surgiu por meio do convite de uma amiga muito querida, Kátia, que também atende pelo perfil @oximenina no TikTok. Ela é uma mulher de energia xamânica viva, e foi quem me apresentou a esse círculo de consagração. O Clã do Sol é reconhecido por sua responsabilidade: todos os processos são conduzidos por facilitadores experientes, preparados para lidar tanto com a medicina quanto com as diferentes reações físicas e emocionais que podem surgir durante o ritual. Tudo é feito dentro da mais profunda seriedade, em comunhão com a natureza, e alinhado às leis brasileiras que autorizam o uso da Ayahuasca para fins religiosos e espirituais desde 2006.

É importante esclarecer alguns mitos e verdades sobre a Ayahuasca antes de qualquer pessoa formar opinião ou considerar uma experiência. A Ayahuasca não é uma “droga recreativa” nem se encaixa em categorias de alucinógenos usados para escapismo. Quando administrada em contexto ritual, com preparo adequado do corpo e da mente, ela é um poderoso instrumento de expansão de consciência, não uma fuga. Seus efeitos não são comparáveis a substâncias químicas ilícitas; trata-se de um chá sagrado que carrega séculos de tradição indígena amazônica, respeitado por seu potencial terapêutico, espiritual e de autoconhecimento.

Outro ponto que raramente é dito com responsabilidade é que, para a ampla maioria das pessoas, a Ayahuasca não tem contraindicações. Desde que consumida em ambiente seguro, sob orientação de quem conhece profundamente a medicina, pode ser tomada inclusive por crianças pequenas e gestantes — claro, com doses cuidadosamente ajustadas. As exceções são claras e muito específicas: pessoas com transtornos psiquiátricos graves, como esquizofrenia, ou que façam uso de certos antidepressivos inibidores da MAO (como os do tipo IMAO), devem evitar o consumo, pois pode haver interações perigosas. Fora isso, não existe impedimento clínico generalizado. Por isso é tão importante desmistificar o preconceito e entender que a Ayahuasca, longe de ser proibida, é plenamente legal e cada vez mais reconhecida por seus benefícios quando respeitada e honrada em seu devido contexto.

Consagração da Ayahuasca dia 12 de Julho de 2025 São Paulo.

1. A importância da preparação verdadeira

Antes de qualquer coisa, é preciso dizer algo que só se entende de verdade depois de passar pela experiência: a preparação para uma consagração com Ayahuasca começa dias antes. Não é sobre forçar espiritualidade ou bancar o “zen” só porque vai beber o chá. É o contrário: trata-se de chegar até a Ayahuasca exatamente como você é, sem máscaras. Se você fuma, não crie neura achando que precisa parar abruptamente só por causa do ritual. Seja honesto com o seu momento.

Mas existem, sim, recomendações valiosas para tornar o corpo e o campo mais receptivos. Evitar carne vermelha, álcool, relações sexuais e outros excessos pelo menos nos três dias anteriores faz diferença. Não é uma regra rígida, mas é uma maneira amorosa de dizer ao seu corpo: “Estamos prestes a entrar em contato com algo maior.”

2. Meu estado antes da cerimônia

No meu caso, essa preparação foi natural. Medito há 12, 13 anos — duas vezes ao dia, às vezes até três — o que me mantém cotidianamente em diálogo com o invisível. Não sou alguém que busca o sagrado só em rituais. Eu converso com meu coração, abraço árvores, sinto o pulso da vida no dia a dia. Então, quando cheguei ao Clã do Sol naquela manhã de 12 de julho, não havia choque, medo ou ansiedade. Havia apenas uma abertura tranquila para o mistério que estava por vir.

3. Três doses para abrir portais

A maioria das pessoas toma duas doses em uma cerimônia. Eu tomei três — e se me fosse oferecida uma quarta, teria aceitado sem hesitar. Isso porque já tenho intimidade com aquilo que chamo de inteligência infinita (ou Deus, ou Campo, ou Fonte, ou Matéria Escura — chame como quiser). Essa familiaridade não é esporádica, é diária. Por isso, as primeiras sensações não me pegaram de surpresa. O corpo não estranhou, não houve resistência. Logo na primeira dose, percebi que estava entrando numa jornada sem volta.

4. Mandalas e a geometria sagrada da existência

Logo depois da primeira dose, as mandalas surgiram — um clássico nos relatos com Ayahuasca.

Mas o que são mandalas? Do sânscrito “círculo”, mandalas são representações geométricas do cosmos, do micro e do macro, espelhos fractais da própria vida. Na geometria sagrada, elas simbolizam a unidade, o infinito, a dança eterna da criação. O cérebro humano parece ter uma afinidade natural com essas formas, pois elas se repetem em estruturas atômicas, flores, conchas, galáxias.

Sob efeito da Ayahuasca, essas mandalas não são apenas vistas, mas sentidas: é como se o universo revelasse a sua engenharia íntima, dizendo “olha como tudo está organizado em amor e inteligência”. Para mim, foi a abertura perfeita do portal que me levaria ainda mais fundo.

5. Tudo começou a falar comigo

Em pouco tempo, as árvores sorriam para mim. As folhas sussurravam piadas cósmicas. O cachorro do local — um guardião com feições de Anúbis — me fitava com uma consciência que ia além do animal. Tudo ao redor falava comigo, telepaticamente, sem necessidade de som.

Esse fenômeno não era exatamente novo para mim. Já vivi episódios assim em estados meditativos muito profundos, até mesmo em retiros sem qualquer planta de poder. Mas ali, no Clã do Sol, compreendi que aquilo não era só um diálogo meu com a mente: era o universo inteiro brincando de se comunicar comigo por todas as formas disponíveis.

6. Sem medo, sem estranhamento, apenas presença

O que poderia ter assustado alguém, para mim foi recebido com naturalidade. Talvez porque já venho afinando meu instrumento há anos, talvez porque o meu corpo reconheceu imediatamente o convite da mãe Ayahuasca para dançar com o invisível. Não houve aquela confusão física que muitas pessoas enfrentam nas primeiras ondas — o que não significa que o processo não tenha sido visceral, intenso e absolutamente transformador.

7. O início do que ainda virá

Tudo isso, é claro, foi só o começo. A primeira dose abriu o caminho, mas o que viria depois — com a segunda e a terceira doses — foi algo que ultrapassa qualquer tentativa de descrição. Foi nesse ponto que o medo se dissolveu por completo, que eu experimentei a morte do personagem e toquei um espaço tão vasto que só posso chamar de infinito.

Mas isso é assunto para continuar no próximo trecho do meu relato.

O campo, a força, a inteligência infinita — Deus, a Fonte, chame como quiser — começou a brincar comigo, desafiando cada certeza humana sobre tempo, espaço, ser e estar.

Minha audição ficou absurdamente sensível. Eu ouvia sons como se estivessem passando por dentro de mim. Um carro distante, que trafegava talvez quilômetros dali, soava como se cruzasse logo atrás de mim. Cada barulho do ambiente se tornava uma sinfonia íntima. Essa segunda dose foi o portal para dissolver o que eu achava que era meu corpo. De repente, não havia mais peso, não havia mais eu delimitado pela pele. Eu estava viajando por dimensões tão distantes e transcendentais que fica quase ingênuo chamá-las de “viagens”.

2. O silêncio que me conduziu por outras dimensões

Quem medita profundamente sabe do que estou falando. Não é imaginação, não é devaneio. É quando o pensamento finalmente silencia e você é conduzido — literalmente carregado — pelo mistério. Ali, fui levado a espaços que não têm chão, nem paredes, nem tempo, nem mesmo a ideia de individualidade.

Comecei a dialogar com essa força silenciosa sobre o existir. Falei sobre a humanidade, sobre o peso do ego, sobre o narcisismo, sobre a ilusão crassa da separação. A resposta que recebi não foi exatamente nova: todo mundo já ouviu isso antes. Mas viver isso é outra coisa. A separação se mostrou uma piada cósmica. Não há nada separado de nada. A fronteira entre o “eu” e o “outro” é a ilusão mais eficiente que essa Matrix conseguiu nos ensinar.

3. O diálogo com Exu

Em certo momento, o campo estava tão amplo, tão abstrato, que pedi: “Mostre-se para mim em alguma forma, para que possamos dialogar”. Foi quando uma máscara de Exu surgiu. Exu veio para me dar foco, para não me perder no mar sem margens do infinito. Eu precisava de uma âncora, uma entidade conhecida que pudesse canalizar aquele intercâmbio. E Exu, com sua potência de mensageiro entre mundos, foi quem apareceu para esse diálogo.

Ali conversei sobre direções, sobre responsabilidade, sobre escolhas. Foi um encontro tão íntimo que não cabe por completo em palavras. Apenas sei que foi necessário.

4. O ápice da dissolução

Essa segunda dose foi avassaladora. Eu não sentia mais o corpo, não lembrava do peso da carne. Parecia que nunca havia habitado um corpo antes. Eu era pura consciência flutuante, observando o teatro da vida de um ponto de vista que não poderia ser chamado de humano. Foi extraordinário. E foi só então que entendi que ainda tinha mais por vir.

5. O segredo revelado pelos meus próprios pés

Na terceira dose, aconteceram dois momentos grandiosos. O primeiro foi quando olhei fixamente para meus pés descalços, fincados no chão. Foi ali que algo me foi revelado — algo tão íntimo e tão profundo que não cabe aqui, por agora, compartilhar. Mas posso dizer que ali descobri quem sou.

Vi minha caminhada inteira contida nos meus pés. A responsabilidade dessa jornada, o peso e a beleza de tudo que me trouxe até aqui, me atingiram como uma flecha de luz. Sei quem sou, e num momento oportuno o mundo também saberá, não pelas minhas palavras, mas pelos meus atos.

6. O ermitão, o tempo e o convite para focar

Depois, ao olhar para um participante da cerimônia, vi nele a figura viva do ermitão. Não era só uma metáfora. Eu realmente o vi caminhando, solitário e pleno. E imediatamente vi a mim mesmo nesse mesmo lugar, no final da minha vida, partindo em paz, missão cumprida, despedindo-me com leveza deste plano.

A terceira dose trouxe lições amorosas, mas incisivas: evite distrações, cumpra o que você veio cumprir, porque a vida é um sopro. Hoje estou vivo, amanhã posso não estar mais aqui. Tudo o que temos é o presente. O resto é ilusão.

7. O pós-rito: um resumo impossível

O que relato aqui é o resumo do resumo do resumo do que vivi. Não dá para escrever cada detalhe, cada conversa silenciosa, cada geometria que me ensinou algo, cada rosto que surgiu nas folhas sorrindo para mim. Foi tudo muito profundo.

Mas sei que isso não para por aqui. Pretendo consagrar novamente ainda este ano, talvez com um pajé, ou quem sabe retornando ao Clã do Sol, que agora já faz parte da minha história.

Saio dessa experiência não apenas mais calmo, mais focado, mais amoroso. Saio reconhecendo que morri — e agora estou vivo de verdade.

 

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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