Mídia manipulada e o pior congresso da história.

Não é à toa que o pior congresso da história do Brasil conta com a cumplicidade entusiasmada de boa parte da grande mídia. Quando o debate sobre taxar grandes fortunas, cortar privilégios ou expor os absurdos dos salários e auxílios parlamentares ganha corpo nas redes sociais, logo entra em cena o velho aparato midiático para proteger o topo da pirâmide. Não foi diferente quando vídeos viralizaram escancarando o abismo entre o Brasil real e o congresso bilionário. Bastou a movimentação popular crescer para o Jornal Nacional, o maior telejornal do país, correr em defesa dos super-ricos, lançando matérias cuidadosamente montadas para distorcer o foco e amenizar a

Se alguém perguntasse qual é o pior congresso da história do Brasil, não precisaríamos recorrer aos livros antigos ou a arquivos empoeirados. Basta abrir o noticiário de hoje. Estamos assistindo, ao vivo, ao aprofundamento de um projeto político que serve prioritariamente aos super-ricos, às custas da esmagadora maioria da população brasileira. E o mais perverso é a naturalidade com que isso é tratado.

Enquanto o brasileiro comum luta para manter o básico — arroz, feijão, energia, aluguel — o Congresso Nacional, segundo mais caro do mundo, desfruta de privilégios obscenos. São milhares de assessores, auxílios disso e daquilo, carros oficiais, cotas milionárias para bancar campanhas permanentes e, claro, salários e aposentadorias muito acima do teto. Tudo pago com o suor de quem pega transporte lotado e trabalha seis dias por semana para ver o dinheiro sumir em impostos indiretos e juros bancários.

Não é surpresa que 93% dos deputados estejam no topo dos 10% mais ricos do país, e que 18% deles sejam parte da elite financeira com patrimônio acima de R$ 50 milhões. Só 7% de toda a Câmara representa o Brasil real: o povo que sustenta este país, mas que continua marginalizado do poder político. Isso ajuda a explicar por que decisões tão fundamentais para a vida dos mais pobres acabam sempre pendendo para o lado de quem já tem demais.

Recentemente, vimos o Congresso derrubar o decreto do IOF que elevaria a taxação sobre grandes operações financeiras. Era uma medida modesta, que tocaria um pouco mais o bolso dos muito ricos. Mas mesmo isso foi demais para uma Casa dominada por donos de fazendas, acionistas, herdeiros de grandes grupos empresariais e financiados por bancos. Eles derrubaram o imposto, protegendo o patrimônio de seus iguais, e mandando a conta novamente para o povão.

O discurso que justifica esse tipo de escolha é sempre o mesmo: responsabilidade fiscal, geração de empregos, crescimento sustentável. Mas não se engane. O mesmo Congresso que barra aumento de tributos para bilionários é o que aprova perdões fiscais gigantescos, anistias de multas, e mantém intocadas isenções escandalosas para setores com lobbies poderosíssimos. É um jogo de cartas marcadas.

Quando o assunto é cortar, a lâmina recai invariavelmente sobre serviços públicos e direitos sociais: saúde, educação, segurança, moradia. Não se fala em reestruturar o sistema para reduzir desigualdades, mas sim em conter gastos — como se as vidas precarizadas fossem apenas números numa planilha.

Essa lógica não surgiu do nada. Desde a redemocratização, o Brasil convive com um Congresso altamente conservador, financiado por grandes grupos econômicos, que elegem bancadas inteiras com o objetivo de defender seus próprios interesses. É a bancada do boi, a do banco, a da bíblia — representando o agronegócio predatório, o capital financeiro e setores religiosos alinhados ao poder. Não há espaço para o trabalhador sem terra, para o ambulante, para a empregada doméstica ou para o pequeno comerciante.

A desigualdade política é tão gritante quanto a econômica. E uma alimenta a outra. O sistema eleitoral, dependente de campanhas caríssimas e da influência midiática, garante que só quem tem dinheiro ou forte apadrinhamento chegue a Brasília. O resultado é um parlamento que legisla olhando para o alto da pirâmide — muitas vezes para seus próprios bolsos.

Além disso, há um pacto de blindagem mútua que atravessa partidos e siglas. Quando surge qualquer tentativa de auditar privilégios, revisar penduricalhos salariais ou cortar benesses absurdas, a reação é imediata. Deputados e senadores se unem para barrar qualquer ameaça ao seu status. Eles podem até divergir em temas ideológicos, mas quando o assunto é proteger os ganhos da elite política e econômica, se tornam uma frente única.

Tudo isso faz do Congresso brasileiro uma máquina caríssima — custa seis vezes mais que o parlamento norueguês e tem dez vezes mais servidores que o francês — e profundamente ineficiente para melhorar a vida de quem precisa. Não há prioridade para pautas como reforma tributária justa, combate aos paraísos fiscais ou ampliação de políticas sociais estruturantes. Essas discussões morrem nos gabinetes, afogadas pelos interesses dos grandes doadores e pelas articulações de grupos que têm horror a dividir riqueza.

Por isso, não é exagero dizer que este pode ser o pior congresso da história do país. Não apenas pelo que faz — mas principalmente pelo que impede que seja feito. Enquanto lá dentro se mantém o carnaval de privilégios, cá fora o povo vive a realidade de filas nos hospitais, escolas caindo aos pedaços e desemprego crônico. E para manter esse modelo, se propaga o medo: do “rombo”, da “quebra do país”, da “fuga de investidores”. Tudo para que a conta siga sendo paga por quem tem menos.

Mas há um ponto onde o jogo começa a virar: quando o povo compreende a engrenagem. Quando entende que bilionários enriquecem sem trabalhar, sem produzir empregos proporcionais, vivendo de especulação e esquemas fiscais, enquanto parlamentares cortam serviços e direitos para sustentar esse banquete. A palavra “bilionocracia” deixa de ser só uma denúncia e se torna o nome do inimigo comum.

O Congresso não representa o Brasil profundo — representa o topo. E enquanto continuarmos a chamar isso de democracia plena, vamos permanecer rodando em círculos. O pior congresso da história não é só aquele que custa mais caro. É o que custa vidas, oportunidades e o futuro de milhões.

Chegará o dia em que essa farsa será insustentável. Até lá, resta o trabalho de escancarar verdades incômodas, desmascarar narrativas e construir uma consciência coletiva capaz de romper com a servidão política que nos foi imposta como normal.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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