Quando a dor tem nacionalidade: por que algumas vidas valem mais que outras?

A guerra entre Israel e Irã e o eterno derramamento de sangue em Gaza expõem, mais uma vez, nossa incapacidade de humanizar a humanidade. Quando potências se enfrentam, a violência e o horror se expandem — e sempre pagam o preço os corpos mais invisíveis na narrativa global.

No mesmo instante, um genocídio ignorado se desenrola na República Democrática do Congo. Milhões de vidas são ceifadas entre guerras por recursos e interesses geopolíticos, enquanto o mundo finge que não vê. Esse silêncio não é neutro: ele nasce de uma visão que ainda nega a humanidade ao corpo preto.

Frantz Fanon explicou isso há décadas: o colonizador desumaniza o colonizado — o corpo preto é visto como inferior, à mercê de uma lógica que tolera sua morte como inevitável ou irrelevante . Esse mesmo corpo negro que permanece invisível diante do olhar global.

Hoje, ao lado dos conflitos no Oriente Médio, devemos escancarar também esse genocídio ignorado no Congo. Porque humanizar a humanidade significa olhar de frente para todas as vítimas, sem privilégios, sem seletividade moral.

1. Conflito no Oriente Médio: Israel, Irã e o drama de Gaza

Recentemente, o mundo testemunhou uma escalada entre Irã e Israel que reacendeu os conflitos em Gaza. Bombardeios, retaliações, milhares de civis — mulheres, crianças, idosos — voltam a sofrer enquanto a retórica política celebra vitórias vazias. Aqui, a moralidade internacional se faz seletiva: quando envolvem “aliados”, o mundo chama “resposta legítima”; quando corpos não brancos são vítimas, chama “danos colaterais”.

Essa hipocrisia moral nos adestra a ignorar a violência onde ela não se encaixa no roteiro pré-formatado de vítimas aceitáveis.

2. Genocídio ignorado na República Democrática do Congo

Enquanto isso, o genocídio no Congo prossegue. Desde 1996, uma crise alimentada por milícias, invasões estrangeiras e disputa por minerais já custou a vida de cerca de seis milhões de pessoas . Recentemente, o avanço da milícia M23 — respaldada por interesses externos — intensificou massacres, estupros em massa e deslocamentos forçados  . Organizações internacionais alertam para um genocídio aberto, ignorado por ser o corpo africano a sangrar.

O corpo negro continua invisível à moral humanitária global. Sabemos quem chora por Gaza — mas poucos se indignam com o sofrimento no Congo, porque, para muitos, o corpo preto ainda não é humano.

3. Fanon: dualidade do olhar e racismo estrutural

Frantz Fanon expôs que o colonizador molda uma consciência que nega a humanidade ao colonizado. “O epiderma é o oposto do humano”; essa visão legitima torturas, estupros, mortes — tudo isso “abusável” em corpos não brancos  . Ele mostrou que essa violência se perpetua — pós-colonialismo apenas renomeia, não elimina.

No Congo, esse legado está vivo: os massacres ocorrem sem grande repercussão, sem campanhas globais, sem editoriais e sem pressão política — como se aqueles corpos fossem descartáveis, irrelevantes. Isso é desumanização estrutural.

4. Moralidade seletiva: quando internacional vale mais que africano

Países do Norte e organismos internacionais falam de “crimes contra a humanidade” quando isso afeta os corpos certos. Mas quando a maioria é africana, a seletividade moral se escancara. Temos políticas humanitárias blindadas quando convém, e silêncio quando a dor é inconveniente.

Essa lógica colonizadora persiste: massacres africanos viram “conflitos locais”; genocídios africanos, “crises esquecidas”.

5. Humanizar é reconhecer toda humanidade

Descolonizar o olhar é urgente. A humanidade só se humaniza quando reconhece que qualquer corpo é humano — independente da sua cor, nacionalidade ou geopolítica. Fazemos justiça quando somos solidários com Gaza, mas também com Goma, Bukavu e Ituri.

A reflexão de Fanon nos ajuda: violência no Congo é tanto violência quanto em Jerusalém. A diferença está na narrativa que se permite existir. E essa escolha moral recai sobre nós.

A humanidade precisa se humanizar. Isso significa enfrentar nossa moralidade seletiva e exigir reparação e visibilidade para todas as vítimas. Enquanto permitirmos que o corpo preto permaneça invisível diante da morte, estaremos falhando no único teste que importa: nossa própria humanidade.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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