Common People: Quando Viver se Torna um Plano de Assinatura

A sétima temporada de “Black Mirror” retorna às suas raízes distópicas, explorando as interseções sombrias entre tecnologia e sociedade. O episódio inaugural, “Common People”, destaca-se como uma crítica contundente ao capitalismo moderno e à mercantilização da saúde. Estrelado por Rashida Jones e Chris O’Dowd, o episódio narra a história de Amanda e Mike, um casal de classe trabalhadora cuja vida é drasticamente alterada por uma crise médica inesperada. 

Black Mirror

Amanda, uma professora dedicada, desmaia subitamente em sala de aula e é diagnosticada com um tumor cerebral inoperável. Diante de opções limitadas, Mike é abordado por Gaynor (Tracee Ellis Ross), representante da Rivermind, uma empresa de tecnologia que oferece um procedimento inovador: substituir o tecido cerebral afetado por uma réplica sintética, conectada a uma assinatura mensal de $300 para manter Amanda viva. Embora o procedimento inicial seja gratuito, a manutenção da funcionalidade cerebral de Amanda depende dessa assinatura contínua.

À medida que o casal se adapta à nova realidade, surgem complicações inquietantes. Amanda começa a exibir comportamentos estranhos, como recitar anúncios publicitários de forma involuntária, resultado de uma atualização do serviço que introduziu uma camada de monetização adicional. Para eliminar essas interrupções indesejadas, a Rivermind oferece um upgrade para o plano Rivermind+, ao custo de $800 mensais. Além disso, Amanda enfrenta restrições geográficas impostas pelo plano básico; ao tentar viajar para uma cidade vizinha, seu sistema entra em colapso devido à falta de cobertura da rede, sugerindo a necessidade de um plano ainda mais caro para garantir plena mobilidade. 

A narrativa de “Common People” serve como uma alegoria mordaz das falhas do sistema de saúde privatizado, especialmente no contexto americano. A dependência de Amanda em relação à Rivermind reflete a realidade de muitos pacientes que enfrentam custos exorbitantes para tratamentos essenciais, evidenciando a vulnerabilidade dos indivíduos em um sistema onde a saúde é tratada como mercadoria. A introdução de anúncios invasivos e a necessidade constante de upgrades pagos ressaltam a exploração corporativa e a desumanização dos pacientes, que se tornam meros veículos para lucro. 

Black Mirror Common People

O episódio também aborda a degradação da dignidade humana em face das dificuldades financeiras. Mike, desesperado para sustentar os custos crescentes do tratamento de Amanda, recorre a plataformas de streaming questionáveis, como o “Dum Dummies”, onde é pago para realizar atos humilhantes e autodestrutivos diante de uma audiência online. Essa escolha extrema destaca o desespero induzido por um sistema que coloca o lucro acima do bem-estar humano, forçando indivíduos a comprometerem sua integridade para sobreviver.

A crítica social em “Common People” é intensificada pela sua plausibilidade. Embora ambientado em um futuro próximo, os paralelos com a realidade atual são inegáveis. A dependência de assinaturas para serviços essenciais, a invasão de publicidade em espaços pessoais e a mercantilização da saúde são questões contemporâneas que o episódio amplifica de forma perturbadora. Essa proximidade com a realidade confere ao episódio uma ressonância especial, provocando reflexões sobre os caminhos que a sociedade está trilhando. 

Além de “Common People”, a sétima temporada de “Black Mirror” apresenta outros episódios que exploram diferentes facetas da relação entre tecnologia e humanidade. “Hotel Reverie” mergulha nas implicações éticas da inteligência artificial na indústria do entretenimento, enquanto “Bête Noire” aborda os perigos da manipulação da realidade e da memória. Cada episódio contribui para o mosaico temático da temporada, oferecendo narrativas que desafiam o espectador a considerar as consequências de nossas inovações tecnológicas. 

Em suma, “Common People” exemplifica a capacidade de “Black Mirror” de entrelaçar crítica social com narrativa envolvente. Ao apresentar um futuro assustadoramente plausível, o episódio serve como um alerta sobre os perigos de permitir que o lucro dite os termos da existência humana. É um convite à reflexão sobre as estruturas que governam nossas vidas e o preço que pagamos por conveniências tecnológicas aparentemente benignas.

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Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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