Conheça o Rei Africano que Colocou Terror nos Escravocratas no Brasil Colônia.

No coração de Pindorama, onde os colonizadores europeus tentavam fincar as garras do poder, floresceu um dos maiores símbolos da resistência africana nas Américas: Zumbi dos Palmares. Muito além de um nome citado nos livros escolares de forma apressada ou estereotipada, Zumbi foi um verdadeiro rei africano em solo de guerra, um estrategista político e militar que aterrorizou os escravocratas do Brasil colônia por décadas.

Ele nasceu livre em 1655 no Quilombo dos Palmares, um território formado por africanos em diáspora e povos indígenas em plena serra da Barriga, atual estado de Alagoas. Palmares não era uma comunidade isolada na mata, como muitos ainda repetem. Era um complexo de povoados organizados, com produção agrícola, comércio, estrutura política própria e defesa militar. Era, em essência, uma nação negra autônoma — o pesadelo real da elite colonial.

Durante quase cem anos, Palmares resistiu. Resistiu às tropas portuguesas e holandesas, às investidas militares que tentavam destruir o que simbolizava o impossível para os brancos escravocratas: africanos livres, armados e organizados. O que o sistema não tolerava não era só a fuga, mas a liberdade sustentada, a prova viva de que a escravidão podia ser derrotada.

Zumbi se tornou líder de Palmares ainda jovem, após retornar ao quilombo, de onde havia sido tirado à força quando criança. Criado por um padre e batizado como Francisco, aprendeu português e latim, mas nunca se esqueceu de quem era. Regressou ao seu povo e se tornou comandante das forças de defesa do quilombo, enfrentando expedições militares com estratégia, coragem e uma consciência afiada do que significava lutar.

Com sua ascensão, Zumbi virou lenda ainda em vida. E como toda lenda negra que desafia a lógica da dominação, foi alvo de distorções brutais. Os mesmos que o temiam começaram a espalhar que Zumbi escravizava outros africanos, que era tirano, que traía seus próprios. Uma tática velha: destruir a imagem quando não se pode destruir o legado. A história oficial, escrita majoritariamente por brancos, tentou transformá-lo em monstro para evitar que se tornasse mito.

Mas Zumbi se tornou mito — no melhor sentido da palavra. Um mito que não mascara, mas revela a potência ancestral que habita cada pessoa preta. A imagem de Zumbi ressurge como símbolo de algo maior: a lembrança de que o povo africano nunca foi descendente de escravizados. Foi e é descendente de reis, rainhas, guerreiros, cientistas, arquitetos, pensadores e revolucionários. Zumbi é só uma das pontas visíveis de um iceberg de glórias que tentaram afundar no mar do esquecimento.

Esse espírito revolucionário, ancestral e inapagável é o mesmo que inspirou, séculos depois, movimentos como os Panteras Negras nos Estados Unidos. Jovens pretos, armados não só com fuzis, mas com consciência, educação e autoestima, desafiando o sistema racista que tentava mantê-los na submissão. O mesmo fogo que queimava nos olhos de Zumbi ardia nas palavras de Malcolm X, na dança de Nina Simone, nas páginas de Frantz Fanon e na arte de Abdias do Nascimento.

A existência de Palmares é um lembrete incômodo para quem insiste em pintar o povo preto como passivo. Palmares é rebeldia organizada. É revolução coletiva. É a demonstração histórica de que o povo africano não aceitou a escravidão como destino — lutou contra ela com tudo o que tinha. E, muitas vezes, venceu. A derrota militar de Palmares em 1694, seguida pela morte de Zumbi em 1695, não apagou seu feito. Pelo contrário: fortaleceu a lenda.

Zumbi dos Palmares não morreu em vão. Sua cabeça exposta em Recife não silenciou sua voz. Sua imagem, hoje, inspira a luta por direitos, por memória e por reparação. Ele é celebrado como herói nacional — mas não pelo Estado que insiste em ser racista — e sim pelo povo preto que reconhece nele um espelho.

Cada vez que uma criança preta aprende sobre Zumbi, uma rachadura se forma no edifício do racismo estrutural. Cada vez que um jovem preto se recusa a aceitar a narrativa de inferioridade, Zumbi respira de novo. Ele é mais do que passado: é presente contínuo, é futuro insurgente.

O Brasil ainda não compreendeu completamente a força simbólica e real de Palmares. Porque entender Palmares é entender que o povo preto não é sobrevivente por acaso — é resistente por natureza. É criador de mundos, fundador de civilizações, construtor de caminhos. Zumbi foi rei, foi guerreiro, foi revolucionário. E seu nome seguirá vivo onde houver injustiça — como um aviso: a liberdade tem memória. E ela sabe lutar.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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