Tubman e a Guerra Civil: a primeira mulher a liderar um exército nos EUA

Harriet Tubman: A Mulher que Fez da Liberdade uma Guerra

A narrativa colonial gosta de vender a ilusão de que os africanos se entregaram sem luta, que aceitaram as correntes sem resistência. Mentira. Desde o primeiro navio negreiro que zarpou rumo às Américas, a resposta foi luta. Rebeliões a bordo, quilombos erguidos em meio às matas, levantes dentro das senzalas. Os africanos nunca aceitaram a escravidão passivamente, eles lutaram até o último suspiro.

Sim, houveram traidores. A história afro-diaspórica em Pindorama, isto é, Brasil, está repleta de casos de ex-escravizados que, ao receberem a alforria, passaram a escravizar seus próprios irmãos. Alguns, alforriados pelo sistema colonial, assumiram o papel de capitães-do-mato, perpetuando a lógica da dominação em troca de um pedaço de conforto dentro da estrutura racista. Mas esses não são a regra. A regra foi Zumbi, foi Dandara, foi Ganga Zumba. A regra foi revolta, fuga, conspiração e, em solo norte-americano, a regra foi Harriet Tubman.

Fotografia de 1887 de Harriet Tubman, seu marido Nelson Davis, e sua filha adotiva.

A Mulher que Fez da Liberdade um Chamado de Guerra

Harriet Tubman nasceu escravizada em 1822, no estado de Maryland. Seu nome de batismo era Araminta Ross, mas ao conquistar sua liberdade, ela se rebatizou. E esse gesto carrega um peso simbólico: ela não era mais “propriedade”, não carregava mais o nome imposto pelo senhor de escravos. Ela era Harriet. Ela era Tubman.

Desde a infância, o chicote e a brutalidade foram sua educação forçada. Aos doze anos, interferiu em uma punição brutal contra um homem escravizado e levou uma pancada na cabeça que a deixaria com desmaios pelo resto da vida. Mas Harriet não via isso como um fardo. Ela via como um sinal. Dizia que, nessas crises, recebia visões de Deus—e foi essa fé inabalável que a fez desafiar o impossível.

Aos 27 anos, ela fugiu. Sozinha. Cruzou rios, campos e cidades, enfrentando caçadores de escravizados, cães farejadores e um sistema sedento por vê-la acorrentada novamente. Mas fugir não foi o suficiente. Ela poderia ter seguido sua vida no Norte livre, mas escolheu voltar. Várias vezes.

A Condutora da Ferrovia Subterrânea

Harriet Tubman se tornou a figura mais temida pelos senhores de escravos. Ela não era só uma fugitiva. Era uma libertadora.

A “Underground Railroad”, ou Ferrovia Subterrânea, era uma rede secreta de apoio para libertar escravizados e levá-los ao Norte dos EUA e ao Canadá. Tubman foi a condutora mais implacável que essa rede já teve. Voltou ao Sul cerca de treze vezes, resgatando mais de 70 pessoas diretamente e guiando centenas indiretamente.

“Eu poderia ter libertado mil escravizados a mais, se eles soubessem que eram escravizados.”

Essa frase dela não é só um registro histórico, é uma reflexão brutal sobre como a dominação não acorrenta apenas os corpos, mas também as mentes.

Harriet não aceitava falhas. Quem decidisse fugir com ela não podia recuar. Sua arma sempre estava carregada, não apenas contra os senhores, mas contra qualquer um que tentasse voltar atrás. “Viva livre ou morra.” Não havia espaço para dúvidas.

A recompensa por sua captura se tornava cada vez mais alta. Os brancos a queriam morta, mas como matar um fantasma? Ela se movia invisível, usava códigos, orações e canções para guiar seu povo. E jamais foi pega.

Tubman e a Guerra Civil: A Primeira Mulher a Liderar um Exército nos EUA

Quando a Guerra Civil estourou, Harriet não ficou esperando. Ela se alistou, tornou-se enfermeira, espiã, estrategista militar. Em 1863, liderou a famosa operação no Rio Combahee, onde sua tropa libertou mais de 700 pessoas em um único ataque.

Nenhuma outra mulher na história dos Estados Unidos havia liderado tropas militares antes dela. Nenhuma.

O Legado de Harriet Tubman

Após a guerra, ela continuou lutando. Não por si, mas pelo povo preto. Fundou escolas, abrigos, lutou pelo direito ao voto das mulheres. A batalha não havia terminado.

Harriet Tubman morreu em 1913, mas sua guerra não acabou. Seu nome deveria estar gravado nos livros como um dos maiores estrategistas e revolucionários da história. Mas sabemos como o apagamento funciona. Só que esse apagamento não nos silencia.

Para quem deseja ver sua trajetória em detalhes, o filme “Harriet” (2019), estrelado por Cynthia Erivo, é um testemunho poderoso dessa história. A produção retrata sua fuga, sua liderança na Ferrovia Subterrânea e sua determinação feroz.

Harriet Tubman foi mais do que uma mulher escravizada que conquistou a liberdade. Ela transformou sua própria vida em uma arma contra a escravidão.

E armas como essa nunca falham.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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