Patrice Lumumba, um dos maiores símbolos da luta anticolonial africana, foi brutalmente assassinado em 17 de janeiro de 1961, em um complô envolvendo interesses belgas, americanos e congolenses. Seu crime? Sonhar com um Congo independente, livre da exploração brutal imposta pelos europeus. Seu destino, porém, não foi apenas a morte – foi um extermínio meticuloso, projetado para apagar qualquer vestígio de sua existência, como se a simples memória de Lumumba fosse um perigo tão grande quanto sua presença viva.
Décadas depois, em 15 de maio de 2002, Gérard Soete, ex-oficial belga e um dos responsáveis pelo assassinato de Lumumba, descreveu com detalhes o que aconteceu com o corpo do líder congolês após sua execução:
“Eu cortei e destruí o corpo de Lumumba em ácido. No meio da noite africana, começamos ficando bêbados para ter coragem. Recebemos r!d dos corpos. A parte mais difícil foi cortá-los em pedaços com uma motosserra antes de derramar ácido neles. Não sobrou quase nada, apenas alguns dentes. E o cheiro! Lavei-me três vezes e sempre me senti um bárbaro sujo.”
Gérard Soete não se limitou a cumprir ordens. Ele foi o arquiteto da aniquilação de Lumumba, reduzindo seu corpo a nada, um ato de barbárie que visava erradicar não apenas o homem, mas seu legado. Como um carrasco que tentou apagar a história, Soete revelou anos depois que guardou dentes e fragmentos do corpo de Lumumba como troféus macabros.
O assassinato de Lumumba não foi um crime isolado, mas um ato de terror político. Ele foi sequestrado, torturado e finalmente executado a tiros junto com seus companheiros Maurice Mpolo e Joseph Okito. Sua morte foi orquestrada com a cumplicidade das potências ocidentais, especialmente da Bélgica e dos Estados Unidos, que viam em Lumumba uma ameaça aos seus interesses neocoloniais.
A execução de Lumumba foi um golpe brutal contra a autodeterminação do Congo e da África como um todo. Sua voz foi silenciada, mas sua luta jamais foi esquecida. O destino de seu corpo reflete a brutalidade do colonialismo e a obsessão europeia em apagar a dignidade dos povos que ousaram resistir. Mas, por mais que tentassem destruí-lo, Patrice Lumumba vive na memória coletiva dos que continuam a batalha pela verdadeira independência africana.
Por que resgatar esse tipo de história é importante?
Constantemente, recebo comentários dos megadomes da história dizendo que fico muito no passado. Essa afirmação é, no mínimo, ridícula. Quem me acompanha sabe que, frequentemente, compartilho em meu site e em todas as minhas redes sociais diversos exemplos positivos de africanos e africanas da diáspora que estão fazendo história no mundo. Homens e mulheres pretas que estão revolucionando a ciência, a política, a arte, o esporte e a economia, deixando marcas indeléveis na humanidade.
Mas entender o presente e construir o futuro exige que olhemos para trás. Resgatar histórias como a de Patrice Lumumba não é um exercício de nostalgia ou vitimismo, mas uma necessidade histórica e política. Há um projeto deliberado de apagamento da memória africana, um esforço contínuo para transformar nossos heróis em notas de rodapé e para nos convencer de que a nossa história começou com a escravidão. E, se não contarmos nossas histórias, outros contarão por nós – e, como já vimos, o farão de maneira deturpada.
O assassinato de Lumumba não é uma história distante e sem relevância. Ele foi morto porque ousou desafiar o colonialismo e propor um Congo verdadeiramente independente. Seu assassinato não apenas adiou esse sonho, mas reforçou um sistema que até hoje mantém a África refém de interesses estrangeiros. Quando falamos dele, não estamos apenas lembrando um líder, mas denunciando as estruturas de dominação que seguem operando, agora de formas mais sofisticadas.
Aqueles que dizem para “esquecer o passado” são, quase sempre, os que se beneficiam desse esquecimento. São os que querem que a violência colonial seja tratada como um mero detalhe, enquanto exigem que nunca deixemos de lembrar suas versões de história, que exaltam conquistadores e exploradores como heróis. Mas enquanto houver uma pessoa preta sem acesso a oportunidades, enquanto a África continuar sendo saqueada, enquanto a violência estrutural contra corpos pretos persistir, lembrar será um ato de resistência.
Resgatar histórias como a de Lumumba é mais do que um compromisso com a verdade. É um compromisso com a justiça. Porque só entendendo o que nos foi tirado podemos reivindicar o que nos pertence.