A Dominação Evangélica nas Instituições Públicas e a Crise do Estado Laico no Brasil

O Brasil é constitucionalmente um Estado laico, o que significa que as instituições públicas devem ser neutras em relação a práticas religiosas, assegurando a liberdade de crença e protegendo os cidadãos de qualquer imposição religiosa. No entanto, o crescimento da influência evangélica em espaços que deveriam ser neutros, como escolas públicas, evidencia uma preocupante erosão desse princípio constitucional.

Os chamados devocionais, momentos de adoração e práticas religiosas fora do ambiente tradicional das igrejas, têm se expandido para escolas em todo o país, incluindo aquelas que não possuem vínculo religioso explícito. Esses encontros, que frequentemente envolvem leituras bíblicas, cânticos e pregações, são apresentados como práticas espontâneas, mas seu avanço sistemático sugere uma estratégia maior de consolidação de poder em espaços públicos. De acordo com um levantamento recente, essa prática já foi identificada em colégios de pelo menos 19 estados brasileiros.

Embora a Constituição, em seu artigo 19, proíba que escolas públicas promovam ou apoiem cultos religiosos, salvo por interesse público, a realidade mostra uma falha na aplicação desse princípio. O crescente espaço para práticas religiosas evangélicas em escolas públicas levanta questões sobre a violação dos direitos de estudantes de outras crenças ou daqueles que optam por não seguir nenhuma religião.

Ainda mais preocupante é a movimentação política para institucionalizar esse tipo de prática.

Um projeto de lei em tramitação no Congresso busca liberar atos religiosos voluntários em escolas, prevendo multa para gestores que tentarem impedir esses encontros. Essa tentativa de normatizar práticas religiosas em espaços públicos não só desrespeita a laicidade do Estado, mas também cria um ambiente que pode ser excludente e coercitivo para estudantes que não compartilham da mesma fé.

É importante destacar que a liberdade religiosa é um direito fundamental garantido pela Constituição, mas ela não deve ser confundida com a liberdade de impor crenças em espaços coletivos. O ambiente escolar, em particular, deve ser um espaço de pluralidade, onde alunos de diferentes origens e crenças possam conviver sem a sensação de pressão ou alienação. A prática de devocionais em colégios, sobretudo em escolas públicas, não é apenas uma questão de liberdade religiosa, mas também de equilíbrio entre os direitos individuais e o dever do Estado de garantir um ambiente verdadeiramente neutro.

O avanço dessas práticas nas escolas reflete a força crescente de movimentos religiosos que utilizam a esfera pública para consolidar poder político e social. Esse fenômeno não se limita às escolas. Ele é parte de um projeto maior que busca moldar a cultura e as políticas públicas brasileiras em conformidade com valores religiosos específicos, muitas vezes em detrimento da diversidade cultural e religiosa do país.

Para preservar o Estado laico, é necessário um debate público profundo e honesto sobre os limites da atuação religiosa em instituições públicas. O apoio a práticas devocionais em escolas públicas não é um ato de promoção da liberdade religiosa, mas uma violação da neutralidade do Estado, que ameaça a coexistência pacífica em uma sociedade plural.

A defesa da laicidade do Estado não é um ataque à fé, mas uma garantia de que todos, independentemente de suas crenças, possam viver em um ambiente que respeite suas diferenças.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

apoia.se