Snoop Dogg: uma traição vergonhosa à luta preta global e um aceno ao opressor branco

Nem todo irmão é irmão. É profundamente lamentável a atitude de muitos pretos que traem uma luta coletiva em prol de seus interesses mesquinhos e egoístas. A lista de traidores só aumenta, e entre eles, podemos incluir figuras públicas que, como capitães do mato contemporâneos, escolhem aliar-se aos opressores em troca de benefícios pessoais.

A figura do capitão do mato, histórica e simbolicamente, representa a traição ao povo preto em favor do poder e da validação dos brancos opressores. Essa figura continua presente em nossa sociedade, disfarçada de diferentes formas: seja em políticos que legislam contra os interesses da população preta, seja em artistas que escolhem elogiar e defender figuras que claramente promovem políticas de exclusão e racismo.

É nesse contexto que a recente postura de Snoop Dogg, um artista que já foi visto como um símbolo de resistência cultural, causa profunda decepção. Antes crítico de Donald Trump, Snoop agora adota uma postura de elogios ao atual presidente dos Estados Unidos, justificando sua mudança de tom pelo perdão concedido por Trump a Michael Harris, cofundador da Death Row Records, em 2021. “Ele só fez coisas ótimas para mim”, afirmou o rapper, ignorando todo o histórico de racismo e supremacia branca promovido por Trump.

Essa atitude remete à figura do capitão do mato: alguém que, por conveniência pessoal, escolhe reforçar a estrutura de poder racista em vez de confrontá-la. Snoop Dogg, ao usar sua plataforma para amenizar a imagem de um homem que construiu sua carreira política perseguindo imigrantes, defendendo supremacistas brancos e desmantelando políticas que poderiam beneficiar comunidades marginalizadas, mostra que está mais preocupado com suas relações pessoais do que com o impacto coletivo de suas ações.

Trump, que historicamente representa o opressor branco socialmente aceito, continua a implementar políticas que atacam diretamente a população preta e outras minorias nos Estados Unidos. Desde suas ações para deslegitimar o movimento Black Lives Matter até sua constante validação de discursos supremacistas, Trump é a personificação de um sistema racista. Qualquer tentativa de suavizar sua imagem, como fez Snoop Dogg, é um golpe contra a luta por igualdade racial.

Além disso, é importante lembrar que a postura de Snoop Dogg não é isolada. Muitos pretos que alcançam posições de destaque esquecem de onde vieram e tornam-se cúmplices do sistema que continua oprimindo sua própria gente. Como em 2011, quando Snoop criticou Barack Obama, ou em 2017, quando fez um clipe apontando uma arma para um Trump representado como palhaço, agora ele inverte sua postura, mostrando que seus princípios são maleáveis quando seu benefício pessoal está em jogo.

A atitude de Snoop Dogg é um exemplo do quanto ainda precisamos avançar na construção de uma consciência coletiva. É um lembrete de que a luta pela igualdade não será vencida enquanto figuras públicas pretas continuarem a agir como capitães do mato, validando opressores em troca de migalhas. Se queremos realmente enfrentar o racismo estrutural, precisamos questionar, denunciar e rejeitar essas posturas, por mais icônicas que essas figuras possam ser.

A luta coletiva exige comprometimento e coragem, não alianças convenientes e elogios vazios a figuras que representam a perpetuação do racismo. O silêncio diante dessas atitudes é conivência, e a história não será gentil com aqueles que traem seu povo.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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