A estreia de Ainda Estou Aqui no Festival de Veneza não passou despercebida. Reconhecido como um dos grandes termômetros para a temporada de premiações, o evento foi o palco para o início de um burburinho inevitável: Walter Salles entregou ao Brasil sua obra mais universal? E mais ainda, será esta a produção que finalmente trará o país de volta à disputa por um Oscar, após décadas de ausência de impacto significativo nas maiores premiações do cinema mundial?
Independentemente de uma eventual indicação ou vitória, é impossível ignorar o impacto dessa adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. O longa não apenas apresenta um recorte histórico do Brasil sob a ditadura militar, mas também se destaca pela profundidade emocional de sua narrativa, conduzida com maestria por Salles e elevada ao sublime pela performance irretocável de Fernanda Torres. Ela, sem dúvida, entrega uma das atuações mais marcantes de sua carreira e talvez uma das mais significativas do cinema brasileiro nos últimos anos.
No centro da história está Eunice Paiva, uma mulher de força silenciosa que, ao lado dos filhos, precisa lidar com o desaparecimento do marido, Rubens Paiva, após ser sequestrado pelo regime militar. Desde os momentos iniciais, Walter Salles deixa claro que este é um filme sobre intimidade e perda. A cena de abertura, com Eunice flutuando nas águas do Leblon enquanto um helicóptero militar sobrevoa a praia, encapsula a tensão entre o espaço privado e o controle opressor do Estado.
A decisão de Salles de focar no impacto familiar, e não na violência explícita, faz de Ainda Estou Aqui um drama universal. Por mais que a história esteja enraizada nas especificidades da ditadura brasileira, a dinâmica entre Eunice e seus filhos transcende barreiras culturais, evocando questões que ressoam em qualquer audiência: a ausência, o luto, a resiliência diante do autoritarismo. O retrato da família Paiva, com seus privilégios e vulnerabilidades, é ao mesmo tempo um microcosmo do Brasil e uma representação global de como o poder pode invadir e devastar até mesmo os lares mais protegidos.
Fernanda Torres é, sem dúvida, o coração pulsante do filme. Sua performance não apenas sustenta a narrativa, mas a transforma em algo maior. Ela dá vida a uma Eunice que é, ao mesmo tempo, fragilidade e força, desespero e resistência. É por meio de seu olhar, de sua contenção e de suas explosões emocionais cuidadosamente medidas que o público experimenta a profundidade do impacto dessa ausência devastadora.
Ainda que o filme tenha outros méritos inegáveis – como a direção precisa de Salles, o roteiro equilibrado e a fotografia melancolicamente bela –, é Fernanda quem carrega o fardo de tornar essa história íntima em algo grandioso. Mesmo que o Brasil não leve o Oscar, sua performance já assegura um lugar de destaque no panteão das grandes interpretações do cinema nacional.
Ainda Estou Aqui é mais do que um filme sobre um período histórico. É uma obra que reconhece o peso do luto, a luta por justiça e o papel transformador da memória. Mais do que nunca, é um momento para o Brasil celebrar seus talentos, independentemente de premiações ou estatuetas. Afinal, reconhecer o valor de uma obra como esta é tão essencial quanto conquistar o ouro em uma cerimônia internacional.
O longa se apoia em uma técnica cinematográfica impecável, engrandecida pela fotografia magistral de Adrian Teijido. Ele alterna habilmente entre a fluidez da câmera na mão e planos estáticos cuidadosamente compostos, onde luz e sombra dividem o espaço com precisão quase pictórica. Somado a isso, a trilha sonora de Warren Ellis contribui com uma profundidade emocional que envolve e amplifica cada cena.
No entanto, a verdadeira joia do filme é a atuação deslumbrante de Fernanda Torres. Ela transita com maestria entre os papéis de uma dona de casa de classe média alta, uma vítima do regime militar e, por fim, uma mulher que precisa se reinventar em meio à dor e ao caos. Em cada arco de Eunice, Fernanda brilha com uma intensidade que torna sua performance inesquecível.
E aí? Você acha que ele vai ganhar esse Oscar em 2025?